sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010


As Lições da Guerra


Os terríveis combates entre as nações e as raças, além das convulsões que sacodem o mundo, produzem os mais sérios problemas e, em presença desse grande drama, mil questões se apresentam à mente humana ansiosa, havendo momentos em que a dúvida, a inquietação e o pessimismo dominam os espíritos mais fortes e decididos.

O progresso será uma vã ilusão? A civilização ficará submersa no mar das paixões brutais? Os esforços dos séculos em prol da justiça, da fraternidade e da paz social serão inúteis? As concepções da arte e do gênio do homem, os frutos do pesado e imenso trabalho de milhões de cérebros e de braços irão desaparecer arrasados pela tormenta?

Esse abismo de desgraças é analisado calmamente pelo pensador espiritualista e do caos dos acontecimentos ele extrai a principal lei que rege o Universo.

Acima de tudo, lembra-se de que nosso mundo é um planeta inferior, um laboratório onde desabrocham as almas ainda inexperientes com seus anseios confusos e suas paixões desordenadas.

O profundo sentido da vida aparece, para o pensador espírita, com as duras necessidades que a ela são inerentes; é o início das qualidades e energias que existem em todos os seres.

A fim de que as energias que existem desconhecidas e silenciosas nas profundezas da alma apareçam na superfície, há necessidade de aflições, angústias e lágrimas, porque não existe grandeza sem sofrimento, nem progresso sem provação.

Se o homem na Terra se desvencilhasse das vicissitudes da sorte e ficasse privado das grandes lições do sofrimento, poderia fortalecer o caráter, desenvolver a experiência ou valorizar as riquezas ocultas de sua alma?

No mundo, sendo o mal uma fatalidade, não existirá responsabilidade para os maus?

Seria um erro funesto aceitá-lo, porque o homem, em sua ignorância e cegueira, semeia o mal, cujas conseqüências caem pesadamente sobre ele, assim como sobre todos os que se associam às suas más ações. É isso que o momento atual comprova.

Dois poderosos imperadores, um protestante e outro católico, desencadearam a guerra com todos os seus horrores; fazia meio século que vinham preparando, calculando e combinando tudo para obter uma vitória esmagadora.

Os poderes espirituais, porém, interferiram no conflito, inspirando às nações em perigo uma heróica resistência e nelas fazendo surgir os tesouros do heroísmo que estavam acumulados nas almas célticas e latinas, desde anteriores existências.

Vejam como se inverteu a situação após seis meses de lutas. Os alemães faziam uma guerra de conquista, no início da campanha; hoje estão reduzidos a combater em defesa própria.
Nos momentos de amargura e de incerteza sempre surge um homem providencial. Neste caso, e para a França, esse homem é o general Joffre, que possui as qualidades exigidas pela grave situação do momento!

Ele soube conter no Marne a enorme avalanche alemã e agora, como comandante sábio e competente, poupando seus soldados, prepara, prudentemente, os meios de expulsar o inimigo para além das fronteiras.

Acima do confuso tumulto das batalhas, além dos clarões terríveis da carnificina e do incêndio, vislumbra-se uma aurora e um grandioso ideal começa a se esboçar; pressente-se a obra de moralização que dimana do sofrimento.

Acima da labareda das paixões terrenas, sente-se a presença de um tribunal invisível que espera o final do conflito para reivindicar os direitos da eterna justiça.

Nossos soldados sentem tais coisas de modo vago, têm a intuição de que sua causa é augusta e sagrada, e tal impressão vai, pouco a pouco, propagando-se por todo o país. Aí se explica por que a inteligência se tornou mais digna e os sentimentos ficaram mais graves e profundos.

A borrasca espantou as futilidades e as leviandades, com tudo quanto era pueril e mundano em que nossa geração gostava de se ocupar, deixando permanecer o que havia em nós de mais sólido e melhor.

Ainda subsistem, sem dúvida, muitos resquícios de imoralidade, corrupção e decadência e, por vezes, perguntamos se tamanha lição não foi bastante para corrigir nossos vícios. Em compensação, quantas existências fantasiosas, estéreis ou desordenadas ficaram mais simples, puras e fecundas.

A vida pública e a privada, sob certos aspectos, estão sofrendo uma radical transformação. Essa purificação dos costumes e do caráter traz consigo a das letras francesas, a do jornalismo, enfim, a do pensamento sob todas as formas em que se expresse, parecendo que estamos livres, por muito tempo, dessa psicologia mórbida, dessa pornografia chula, venenos da alma que nos faziam ser considerados, pelo estrangeiro, como nação decadente.

Quem ousaria servir-se da pena para recair em semelhantes erros? Os escritores e os romancistas do futuro terão assuntos bem diversos, graves e elevados para suas obras.

Por certo não perdemos de vista o lamentável desfile das desgraças produzidas pela guerra: as horríveis hecatombes, a aniquilação das vidas, o saque e a destruição das cidades, os estupros, os incêndios, os velhos, as mulheres e as crianças espoliadas, mortas ou mutiladas, a fuga dos rebanhos humanos abandonando seus lares devastados, afinal, o espetáculo do sofrimento humano no que existe de mais intenso e pungente.

Qualquer espírita sabe que a morte é apenas uma aparência: a alma, ao desprender-se do seu envoltório material, adquire maior força, maior percepção das coisas e o ser se encontra mais vivo no Além.

O pensamento se purifica pela dor, nenhum sofrimento se perde e nenhuma provação deixa de ter sua compensação. Os que morreram pela pátria recolhem os frutos do seu sacrifício e o sofrimento dos que sobreviveram transmite aos seus perispíritos ondas de luz e sementes de futuras felicidades.

A questão do progresso se resolve facilmente, porque só ele é real e permanente, sendo simultâneo em seus dois aspectos, o material e o moral.

O progresso meramente material é, com muita freqüência, apenas uma arma colocada a serviço das más paixões.

Aos bárbaros da atualidade a ciência forneceu formidáveis recursos de destruição: máquinas variadas, violentos explosivos, pastilhas incendiárias, dispositivos para o lançamento de líquidos inflamáveis, gases asfixiantes ou corrosivos, etc.

A navegação aérea e submarina aumentou de muito o poder do fogo, todavia todos os progressos da ciência tornam o homem infeliz, enquanto ele permanece mau. E tal situação se prolongará enquanto a educação popular for falseada e o homem seguir ignorando as verdadeiras leis do ser e do destino, assim como o princípio das responsabilidades com suas conseqüências nas vidas sucessivas.

Sob esse aspecto, o fracasso das religiões e da ciência é completo: a guerra atual o comprova, fartamente.

Com relação ao progresso moral, ele é lento e quase imperceptível na Terra, graças à população do globo que cresce incessantemente com elementos provindos de mundos inferiores.
Só os espíritos que conseguiram certo grau de progresso na Terra evoluem com proveito para grupos melhores. Eis por que varia pouco o nível geral, permanecendo raras e ocultas as qualidades morais dos indivíduos.

Os golpes da adversidade ainda serão, durante muito tempo, meios necessários para impelir o homem a se desprender do círculo estreito onde se encerra, obrigando-o a elevar mais alto seu pensamento.

Ainda precisará escalar, muitas vezes, a íngreme ladeira do calvário através de espinhos e pedras pontiagudas. Todavia, do escabroso pico, ele divisará o brilho do grande foco de sabedoria, de verdade e de amor que ilumina e fortalece o Universo.

Tudo, na ordem espiritual, se resume em duas palavras: reparação e elevação!

As calamidades são o cortejo inevitável das humanidades atrasadas e a guerra é a pior de todas. Sem elas o homem pouco desenvolvido perderia o seu tempo com as inutilidades da jornada ou se entregaria ao bem-estar e à preguiça.

É preciso o guante da necessidade e a noção do perigo para obrigá-lo a movimentar suas forças adormecidas, desenvolver-lhe a inteligência e apurar-lhe a razão.

Tudo que é destinado à vida e ao crescimento se prepara na dor. É necessário padecer para dar à luz, eis a colaboração da mulher. Cumpre padecer para criar, eis a participação do gênio.

Nos momentos supremos de sua história é que as qualidades varonis de uma raça se apresentam com maior brilho. Se a guerra desaparecesse, com ela desapareceriam muitos males e muitos horrores; mas não é a guerra também geradora do heroísmo, do espírito de sacrifício, do desprezo pelo sofrimento e pela morte? São estas coisas que fazem a grandeza do homem, as que o colocam acima do irracional.

O homem, espírito imortal, é um centro de vida e de atividade que, de todas as vicissitudes, todas as provações, mesmo as mais cruéis, deve conseguir outros processos pelos quais se expandam cada vez mais as energias existentes em nosso íntimo.

As grandes emoções nos fazem esquecer as preocupações corriqueiras (muitas vezes frívolas) da vida, abrindo em nós uma passagem para as influências do Espaço.

No entrechoque dos acontecimentos, a bruma formada por nossos anseios, pensamentos e inquietações de cada dia se esvai e a grande lei, o supremo objetivo da existência se revela, por um instante, aos nossos olhos.
Nos mundos mais adiantados, nas humanidades superiores à nossa, os flagelos não têm mais razão de ser, não existindo a guerra, porque a sabedoria do espírito elimina todos os conflitos.

Os habitantes dos mundos felizes, iluminados pelas verdades eternas, com a aquisição dos poderes da inteligência e do coração, não têm mais necessidade desses terríveis estímulos para despertar e cultivar os recursos ocultos da alma.

Na grande escalada do progresso, as causas do sofrimento se atenuam à medida que o espírito progride, porque se tornam cada vez menos necessárias para uma ascensão que se realiza livremente, na paz e na luz.

A grande escola das criaturas e dos povos é o sofrimento. quando eles se afastam do caminho reto e descambam para a sensualidade e para a decomposição moral, a dor, com seu aguilhão, recoloca-os no verdadeiro caminho.

É necessário que o homem sofra para desenvolver a sensibilidade e a vida, sendo esta uma lei grave, séria e de proveitosas conseqüências.

É preciso sofrer para sentir e amar, crescer e elevar-se. Só o sofrimento domina os furores da paixão, desperta em nós as meditações profundas e revela às almas o que há de melhor, mais belo e mais nobre no Universo: a piedade, a caridade e a bondade!
Do seu banho de sangue e de lágrimas, a França sairá rejuvenescida e mais bela, irradiando eterna glória, para prosseguir a missão que sua História lhe impõe.


Leon Denis


*Do livro o Mundo Invisível e a Guerra, trecho do cap III, a partir de comunicações recebidas de seus amigos espirituais.

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