quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Leon Denis na Intimidade


Suas Distrações: a Leitura, as Viagens, a Música


Léon Denis em sua Infância apreciava, dissemos antes, extremamente o estudo da geografia. Em imaginação ele transpunha os mares, franqueava os montes e se evadia assim dos círculos estreitos em que vivia: O gosto pelas viagens, inato nele, orientava-o para este e, pode-se presumir que a ocupação que ele escolheu mais tarde proporcionou-lhe ao mesmo tempo a independência e uma bela e sadia distração. Realizando, por afazeres comerciais, longas viagens pela França e pelo estrangeiro, ele realizava o sonho de ver outras terras, outros homens, outros costumes. Mas era como um verdadeiro peregrino, mochila às costas, cajado ferrado na mão, que Léon Denis preferia viajar. Ele amava tomar estes grandes banhos de ar e que vivificam o corpo e a alma de todos aqueles que sabem apreender as grandezas que a natureza oferece. Ele percorria assim as províncias francesas: o Alvergue, a Savóia, a Daufinéia, a Lorena, e a Bretanha. Ele visitou a Kabília, a Tunísia; a Sardenha, a Córsega e a Itália.

A excursão que o Mestre fez à Tunísia, foi publicada sob a forma de uma pequena brochura em 1880, sob o título A Tunísia e a Ilha da Sardenha. Poucas pessoas conhecem atualmente estas maravilhosas páginas de literatura descritiva. Léon Denis via como um poeta; sua pena igualava o pincel de um pintor. A pitoresca descrição de sua viagem tem um belo colorido. O viajante nos faz compartilhar de múltiplas impressões. Nos descreve Tunis, sua vida desbordante de atividade, os tipos estranhos e tão diversos que aí se acotovelavam, mulheres mouras, artífices, mercadores, soldados.

Em uma idade bastante avançada, Léon Denis soube criar para si uma salutar distração aprendendo á tocar piano. Ele executava por si mesmo, com muita correção, velhas árias de ópera. O Mestre aproveitava o mais das vezes o momento em que eu estava ocupada em copiar um grande artigo para se entregar a esta distração. Era-me agradável ouvi-lo executar a Romanza de Flotow:

Seule rose fralche èclose, comment peux-tu fleurir. Quando Phiver froid et morose sans pitlé va te fletir.

O filósofo era um grande amador da música; durante suas permanências em Paris ele freqüentava os concertos Collone e Lamoureux. A música facilitava grandemente a preparação de suas conferências. Ele nos disse que nunca tinha falado em Lyon sem ter ido, na véspera, passar a noite no Grande Teatro daquela cidade. Enquanto se desenrolavam as harmonias musicais, ele repassava interiormente os principais períodos de seu discurso.

Nos derradeiros anos de sua vida, uma leitura em Braille, um trecho de música não eram as únicas distrações do Mestre. Ele tinha em torno de si seus gatos que não o deixavam nunca e aos quais ele prodigalizava um grande afeto. Amava falar, acariciá-los, fazê-los brincar. Georgette, a fiel empregada do Mestre, havia introduzido sub-repticiamente uma pequena gata que uma pessoa que freqüentava a casa lhe havia dado. Ela mantinha-a em sua cozinha, mas Léon Denis a achou tão esperta, tão pequenina que a adotou. Foi batizada por Bibiche. Ela não deixava nossa mesa de trabalho, divertia-se com os papéis, virava o tinteiro e, sempre desastrada saltava, às vezes, dos ombros do Mestre para sua cabeça. Este pequeno ser cheio de vida e de graça o alegrava. Um filho de Bibiche do qual ele nunca quis se separar atendia pelo nome de Paullot; era um belo angorá branco que se tornava mais e mais majestoso ano após ano. Estes dois animais não deixavam nunca a sala onde passávamos o inverno; um ronronava sobre os joelhos do Mestre, que evitava fazer um único movimento para não perturbá-lo, a outra se enrolava perto do fogo sobre uma almofada. Por vezes eles nos olhavam graves como pequenas esfinges, tão graves que poder-se-ia crer que seguiam nossas leituras.

Georgette tinha cuidado nas horas das refeições em não dar acesso às salas senão a um gato por que; - dizia ela, - o Senhor é de uma fraqueza extraordinária e deixaria cair uma boa parte de seu jantar.

Léon Denis, quando em vida, depois de um quarto de século em perpétuas relações com os seres que povoam o mundo Invisível, tinha uma alegria natural e não perdia jamais a ocasião de dizer uma palavra bondosa, a qual lhe vinha tão depressa que seu interlocutor se surpreendia com o octogenário de aspecto grave, num jogo de espírito tão alegre. O espírito prazenteiro do Mestre fazia-o encontrar espontaneamente o traço agradável responder ao Senhor Hubert Forestier, secretário particular do Sr. Jean Meyer, que lhe dera a conhecer o nascimento de uma filhinha, o Mestre me estendeu o cartão colorido e me perguntou: Que representa ele? - Uma tela de Louis Berould, - disse-lhe eu, - representando o salão quadra do Louvre onde está exposta a Mona Lisa. - Vamos pegá-lo, disse ele. Essas palavras me foram então ditadas: Muito emocionado por vossa bondade, eu vos envio meus melhores votos para vós e para a Senhora Forestier, com minhas felicitações por vossa obra prima que não é uma pintura...

A lembrança desta brincadeira saída da boca do Mestre é destinada a mostrar seu abandono e sua espontaneidade e para ensaiar torná-lo mais vivo. Isso prova que um filósofo octogenário é, muitas vezes, mais jovem de caráter do que um estudante de vinte anos e este era o caso de Léon Denis.

Depois de sua morte, o Sr. S., advogado do tribunal de Reines nos escreveu: Uma coisa que me maravilhava era a juventude do estilo que Léon Denis conservou até o fim. Há pessoas que, aos trinta anos, já são velhas. A riqueza do coração, o sentido profético, a vida profunda, fazem de outros homens eternamente jovens. Vosso Mestre era um destes.


Claire Baumard, do livro “Leon Denis na Intimidade.”


Imagem: Leon Denis e sua mãe Sra.Anne-Lucie Liouville

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