quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Onde é o Céu? - 2ª parte


Onde é o Céu?


A reencarnação pode dar-se na Terra ou em outros mundos. Há entre os mundos alguns mais adiantados onde a existência se exerce em condições menos penosas que na Terra, física e moralmente, mas onde também só são admitidos Espíritos chegados a um grau de perfeição relativo ao estado desses mundos.

A vida nos mundos superiores já é uma recompensa, visto nos acharmos isentos, aí, dos males e vicissitudes terrenos. Onde os corpos, menos materiais, quase fluídicos, não mais são sujeitos às moléstias, às enfermidades, e tampouco têm as mesmas necessidades. Excluídos os Espíritos maus, gozam os homens de plena paz, sem outra preocupação além da do adiantamento pelo trabalho intelectual. Reina lá a verdadeira fraternidade, porque não há egoísmo; a verdadeira igualdade, porque não há orgulho, e a verdadeira liberdade por não haver desordens a reprimir, nem ambiciosos que procurem oprimir o fraco.

Comparados à Terra, esses mundos são verdadeiros paraísos, quais pousos ao longo do caminho do progresso conducente ao estado definitivo. Sendo a Terra um mundo inferior destinado à purificação dos Espíritos imperfeitos, está nisso a razão do mal que aí predomina, até que praza a Deus fazer dela morada de Espíritos mais adiantados. É assim que o Espírito, progredindo gradualmente à medida que se desenvolve, chega ao apogeu da felicidade; porém, antes de ter atingido a culminância da perfeição, goza de uma felicidade relativa ao seu progresso. A criança também frui os prazeres da infância, mais tarde os da mocidade, e finalmente os mais sólidos, da madureza.

A felicidade dos Espíritos bem-aventurados não consiste na ociosidade contemplativa, que seria, como temos dito muitas vezes, uma eterna e fastidiosa inutilidade. A vida espiritual em todos os seus graus é, ao contrário, uma constante atividade, mas atividade isenta de fadigas. A suprema felicidade consiste no gozo de todos os esplendores da Criação, que nenhuma linguagem humana jamais poderia descrever, que a imaginação mais fecunda não poderia conceber. Consiste também na penetração de todas as coisas, na ausência de sofrimentos físicos e morais, numa satisfação íntima, numa serenidade d’alma imperturbável, no amor que envolve todos os seres, por causa da ausência de atritos pelo contacto dos maus, e, acima de tudo, na contemplação de Deus e na compreensão dos seus mistérios revelados aos mais dignos. A felicidade também existe nas tarefas cujo encargo nos faz felizes.

Os Espíritos puros são os Messias ou mensageiros de Deus pela transmissão e execução das suas vontades. Preenchem as grandes missões, presidem à formação dos mundos e à harmonia geral do Universo, tarefa gloriosa a que se não chega senão pela perfeição. Os da ordem mais elevada são os únicos a possuírem os segredos de Deus, inspirando-se no seu pensamento, de que são diretos representantes. As atribuições dos Espíritos são proporcionadas ao seu progresso, às luzes que possuem, às suas capacidades, experiência e grau de confiança inspirada ao Senhor soberano. Nem favores, nem privilégios que não sejam o prêmio ao mérito; tudo é medido e pesado na balança da estrita justiça. As missões mais importantes são confiadas somente àqueles que Deus julga capazes de as cumprir e incapazes de desfalecimento ou comprometimento. E enquanto que os mais dignos compõem o supremo conselho, sob as vistas de Deus, a chefes superiores é cometida a direção de turbilhões planetários, e a outros conferida a de mundos especiais.

Vêm, depois, pela ordem de adiantamento e subordinação hierárquica, as atribuições mais restritas dos prepostos ao progresso dos povos, à proteção das famílias e indivíduos, ao impulso de cada ramo de progresso, às diversas operações da Natureza até aos mais ínfimos pormenores da Criação. Neste vasto e harmonioso conjunto há ocupações para todas as capacidades, aptidões e esforços; ocupações aceitas com júbilo, solicitadas com ardor, por serem um meio de adiantamento para os Espíritos que ao progresso aspiram.

A encarnação é inerente à inferioridade dos Espíritos, deixando de ser necessária desde que estes, transpondo-lhe os limites, ficam aptos para progredir no estado espiritual, ou nas existências corporais de mundos superiores, que nada têm da materialidade terrestre. Da parte destes a encarnação é voluntária, tendo por fim exercer sobre os encarnados uma ação mais direta e tendente ao cumprimento da missão que lhes compete junto dos mesmos. Desse modo aceitam abnegadamente as vicissitudes e sofrimentos da encarnação.

Ao lado das grandes missões confiadas aos Espíritos superiores, há outras de importância relativa em todos os graus, concedidas a Espíritos de todas as categorias, podendo afirmar-se que cada encarnado tem a sua, isto é, deveres a preencher a bem dos seus semelhantes, desde o chefe de família, a quem incumbe o progresso dos filhos, até o homem de gênio que lança às sociedades novos germens de progresso. É nessas missões secundárias que se verificam desfalecimentos, prevaricações e renúncias que prejudicam o indivíduo sem afetar o todo.

Todas as inteligências concorrem, pois, para a obra geral, qualquer que seja o grau atingido, e cada uma na medida das suas forças, seja no estado de encarnação ou no espiritual. Por toda parte a atividade, desde a base ao ápice da escala, instruindo-se, coadjuvando-se em mútuo apoio, dando-se as mãos para alcançar o zênite. Assim se estabelece a solidariedade entre o mundo espiritual e o corporal, ou, em outros termos, entre os homens e os Espíritos, entre os Espíritos libertos e os cativos. Assim se perpetuam e consolidam, pela purificação e continuidade de relações, as verdadeiras simpatias e nobres afeições.

Por toda parte, a vida e o movimento: nenhum canto do infinito despovoado, nenhuma região que não seja incessantemente percorrida por legiões inumeráveis de Espíritos radiantes, invisíveis aos sentidos grosseiros dos encarnados, mas cuja vista deslumbra de alegria e admiração as almas libertas da matéria. Por toda parte, enfim, há uma felicidade relativa a todos os progressos, a todos os deveres cumpridos, trazendo cada um consigo os elementos de sua felicidade, decorrente da categoria em que se coloca pelo seu adiantamento.

Das qualidades do indivíduo depende-lhe a felicidade, e não do estado material do meio em que se encontra, podendo a felicidade, portanto, existir em qualquer parte onde haja Espíritos capazes de a gozar. Nenhum lugar lhe é circunscrito e assinalado no Universo. Onde quer que se encontrem, os Espíritos podem contemplar a majestade divina, porque Deus está em toda parte. Entretanto, a felicidade não é pessoal: Se a possuíssemos somente em nós mesmos, sem poder reparti-la com outrem, ela seria tristemente egoísta. Também a encontramos na comunhão de idéias que une os seres simpáticos. Os Espíritos felizes, atraindo-se pela similitude de gestos e sentimentos, formam vastos agrupamentos ou famílias homogêneas, no seio das quais cada individualidade irradia as qualidades próprias e satura-se dos eflúvios serenos e benéficos emanados do conjunto. Os membros deste, ora se dispersam para se darem à sua missão, ora se reúnem em dado ponto do Espaço a fim de se prestarem contas do trabalho realizado, ora se congregam em torno dum Espírito mais elevado para receberem instruções e conselhos.

Embora os Espíritos estejam por toda parte, os mundos são focos onde de preferência se reúnem, em virtude da analogia existente entre eles e os que os habitam. Em torno dos mundos adiantados abundam Espíritos superiores, como em torno dos atrasados pululam Espíritos inferiores. Cada globo tem, de alguma sorte, sua população própria de Espíritos encarnados e desencarnados, alimentada em sua maioria pela encarnação e desencarnação dos mesmos. Esta população é mais estável nos mundos inferiores, pelo apego deles à matéria, e mais flutuante nos superiores. Destes últimos, porém, verdadeiros focos de luz e felicidade, Espíritos se destacam para mundos inferiores a fim de neles semearem os germens do progresso, levar-lhes consolação e esperança, levantar os ânimos abatidos pelas provações da vida. Por vezes também se encarnam para cumprir com mais eficácia a sua missão.

Nessa imensidade ilimitada, onde está o Céu? Em toda parte. Nenhum contorno lhe traça limites. Os mundos adiantados são as últimas estações do seu caminho, que as virtudes franqueiam e os vícios interditam. Ante este quadro grandioso que povoa o Universo, que dá a todas as coisas da Criação um fim e uma razão de ser, quanto é pequena e mesquinha a doutrina que circunscreve a Humanidade a um ponto imperceptível do espaço, que no-la mostra começando em dado instante para acabar igualmente com o mundo que a contém, não abrangendo mais que um minuto na Eternidade! Como é triste, fria e glacial essa doutrina quando nos mostra o resto do Universo, durante e depois da Humanidade terrestre, sem vida, nem movimento, qual vastíssimo deserto imerso em profundo silêncio! Como é desesperadora a perspectiva dos eleitos votados à contemplação perpétua, enquanto a maioria das criaturas padece tormentos sem-fim! Como lacera os corações sensíveis a idéia dessa barreira entre mortos e vivos! As almas ditosas, dizem, só pensam na sua felicidade, como as desgraçadas, nas suas dores. Admira que o egoísmo reine sobre a Terra, quando no-lo mostram no Céu?

Oh! Quão mesquinha se nos afigura essa idéia da grandeza, do poder e da bondade de Deus! Quanto é sublime a idéia que dEle fazemos pelo Espiritismo! Quanto a sua doutrina engrandece as idéias e amplia o pensamento! Mas, quem diz que ela é verdadeira? A Razão primeiro, a Revelação depois, e, finalmente, a sua concordância com os progressos da Ciência. Entre duas doutrinas, das quais uma amesquinha e a outra exalta os atributos de Deus; das quais uma só está em desacordo e a outra em harmonia com o progresso; das quais uma se deixa ficar na retaguarda enquanto a outra caminha, o bom-senso diz de que lado está a verdade. Que, confrontando-as, consulte cada qual a consciência, e uma voz íntima lhe falará por ela. Pois bem, essas aspirações íntimas, são a voz de Deus, que não pode enganar os homens. Mas, então, por que Deus não lhes revelou de princípio toda a verdade? Pela mesma razão por que se não ensina à infância o que se ensina aos de idade madura. A revelação limitada foi suficiente a certo período da Humanidade, e Deus a proporciona gradativamente ao progresso e às forças do Espírito. Os que recebem hoje uma revelação mais completa são os mesmos Espíritos que tiveram dela uma partícula em outros tempos e que de então por diante se engrandeceram em inteligência.

Antes de a Ciência ter revelado aos homens as forças vivas da Natureza, a constituição dos astros, o verdadeiro papel da Terra e sua formação, poderiam eles compreender a imensidade do Espaço e a pluralidade dos mundos? Teriam podido identificar-se com a vida espiritual? conceber depois da morte uma vida feliz ou infeliz senão num lugar circunscrito e sob uma forma material? Não; compreendendo mais pelos sentidos do que pelo raciocínio, o Universo era demasiado vasto para seu cérebro; era preciso reduzi-lo a menores proporções para acomodá-lo ao seu ponto de vista, correndo o risco de ampliá-lo mais tarde. Uma revelação parcial tinha sua utilidade; então era razoável, mas hoje insuficiente. O erro é daqueles que, não levando em conta o progresso das idéias, crêem poder governar homens maduros quais se fossem crianças.


Allan Kardec, cap.III (O Céu) do livro "O Céu e o Inferno".

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