terça-feira, 26 de abril de 2011

A Educação em “O Livro dos Espíritos”



Por *Marcus Alberto De Mario


Segundo José Herculano Pires “O Livro dos Espíritos (...) é um verdadeiro manual de educação, no mais amplo e elevado sentido do termo. Seu objetivo explícito é ensinar e educar” (Pedagogia Espírita, 1’ edição, Edicel, página 79).

Tem razão o mestre paulista embora não encontremos no índice de O Livro dos Espíritos, obra fundamental do Espiritismo, nenhuma referência direta à educação. Mas isso não pode precipitar nosso julgamento. Antes de tudo é necessário estudar a obra, e nesse estudo Herculano Pires mergulhou e podemos sintetizar no seguinte entendimento:

1. O ensino de “O Livro dos Espíritos” projeta:

1. novos conhecimentos;
2. uma nova concepção do homem;
3. uma nova concepção do universo; e
4. a sintonia do homem com Deus.

2. A estrutura didática de “O Livro dos Espíritos” apresenta:

1. a existência de Deus;
2. o exame do problema da criação;
3. o homem no contexto universal;
4. a natureza espiritual do homem;
5. a investigação do mundo de após morte;
6. a revelação da lei da reencarnação;
7. o estudo das relações dos espíritos com os homens;
8. o descortinar da lei de adoração;
9. as penas e recompensas futuras;
10. Jesus como modelo de perfeição humana; e
11. a educação integral.

Perguntas, Respostas e Educação


Não estamos lidando com um simples livro, mas com uma obra que é alicerce de uma Doutrina, foi escrita por Espíritos Superiores e analisada, comentada e organizada por um educador: Allan Kardec.

Na atualidade diversas pesquisas científicas estudam a inteligência emocional, inclusive a teoria das inteligências múltiplas, e no “Livro dos Espíritos” encontramos a questão 72 em diante informando que a inteligência é atributo do Espírito e “faculdade própria de cada ser”, constituindo assim a sua individualidade moral.

O desenvolvimento da inteligência é estudado nas questões 075-A; 076; 114; 122;180 e 189 quando aprendemos que o uso da inteligência dá ao Espírito consciência de si mesmo até chegar ao pleno domínio do livre-arbítrio.

A influência do organismo físico, estudada pela epistemologia genética, elucidando os estágios de desenvolvimento da criança, está claramente definida na obra básica do Espiritismo quando lemos na questão 352:

"(após o nascimento as faculdades) se desenvolvem gradualmente, com os órgãos. Ele (o Espírito) se encontra numa nova existência; é preciso que aprenda a se servir dos seus instrumentos: as idéias lhe voltam pouco a pouco (...)."

Também as questões 365, 368, 369, 370-A e 380 tratam desse assunto aprofundando o tema influência do organismo.

A teoria do construir social do educador Vygotski, que data da década de trinta do nosso século, está presente no enunciado da questão 208:

“(...) os Espíritos devem concorrer para o progresso recíproco. Pois bem: o Espírito dos pais tem a missão de desenvolver o dos filhos pela educação: isso é para ele uma tarefa? Se nela falhar será culpado.”

Aos pais a tarefa de educar, e a todos nós, na sociedade, a tarefa da ajuda mútua, do construir dinâmico da personalidade, do oferecer oportunidades de desenvolvimento das aptidões, quando quem mais sabe, ensina; quem é mais forte, protege. É a educação social construtiva.

E a educação infantil?

O período compreendido entre 0 e 6 anos é de fato tão importante?

Sim, responde-nos “O Livro dos Espíritos”, muito importante, pois:

1. o Espírito é mais acessível aos bons conselhos e exemplos;
2. a debilidade física toma os Espíritos mais flexíveis; e
3. na infância o Espírito pode ter seu caráter reformado e suas más tendências corrigidas.

Adentramos com essas colocações no terreno da educação moral. A questão 629 de “O Livro dos Espíritos” remete a educação para o campo da moral, definindo-a e dando ao homem duas regras fundamentais de comportamento:

1. fazer tudo tendo em vista o bem e
2. fazer tudo tendo em vista o bem de todos, pois moral “é a regra da boa conduta e portanto, da distinção entre o bem e o mal. Funda-se na observação da lei de Deus.

É o Espiritismo adentrando no terreno da educação moral, ainda longe dos planejamentos pedagógicos e das salas de aula das escolas, e, infelizmente, também não muito presente nos lares.

Ainda dentro do tema de tão grande importância, Allan Kardec adverte na questão 685-A:

“Há um elemento que não se ponderou bastante, e sem o qual a ciência econômica não passa de teoria: a educação. Não a educação intelectual, mas a moral, e nem ainda a educação moral pelos livros, mas a que consiste na arte de formar os caracteres, aquela que cria os hábitos adquiridos.”

Efetivamente não ponderamos bastante sobre a educação moral, mesmo neste século, ou nas últimas duas décadas. Somente agora psicólogos pesquisam sobre a “inteligência emocional” e pedagogos timidamente começam a falar sobre autoconhecimento, mesmo assim atrelados à “sociedade do conhecimento”, dando mais ênfase ao intelectual que ao moral.

Para enfrentar a violência, o desrespeito, o conflito, a ignorância, o egoísmo, a paixão desenfreada, enfim, os males sociais modernos que tanto conhecemos, somente a educação moral, única que pode trabalhar o caráter do educando, do Espírito reencarnado.

Como nos diz Daniel Goleman, psicólogo e autor do livro “Inteligência Emocional”, é preciso encararmos de frente uma palavra maldita no meio educacional: “virtude”, o que mais nossos filhos e alunos estão precisando aprender e exercitar.

Quanto à dicotomia, a separação entre o progresso intelectual e o progresso moral, ela não existe, pois “(o progresso intelectual conduz ao progresso moral) dando a compreensão do bem e do mal, pois então o homem pode escolher”, conforme a questão 780-A nos informa. Entretanto, podemos verificar que os Espíritos Superiores não estão falando do simples ensino cultural, da simples transmissão de conhecimentos através das disciplinas curriculares. Estão a nos dizer que a inteligência, que o conhecimento intelectual deve ser exercido para o estudo e a compreensão do bem e do mal, dando ao homem plena capacidade de escolher, com responsabilidade, seu caminho na vida, exercendo o livre-arbítrio após ponderar sensatamente sobre os porquês e conseqüências dos acontecimentos e soluções para cada caso.

E quem pode ser apontado como culpado das misérias sociais? Quem é o causador de tantas desgraças morais no mundo? Respondem os Espíritos: a sociedade. E completam: “É freqüentemente a má educação que falseia o critério dessas pessoas, em lugar de asfixiar-lhes as tendências perniciosas”. Essa resposta está na questão 813.

A má educação é apontada como causadora dos distúrbios individuais e coletivos, sendo a sociedade a maior culpada por manter, através de suas instituições, essa má educação, ou seja, aquela educação desvinculada da moral, da formação do caráter, a única que exerce o papel de combater as más tendências que porventura ainda traga o Espírito reencarnado, e que se manifestam desde a infância (as pesquisas já apontam: desde o nascimento, como bebês).

Corroborando nosso pensamento, eis o que encontramos na questão 889:

(...)se uma boa educação moral lhes tivesse (aos homens) ensinado a praticar a lei de Deus, não teriam caído nos excessos que os levaram à perda. E é disso, sobretudo, que depende o melhoramento do vosso globo”

É realmente “O Livro dos Espíritos” um compêndio pedagógico no mais amplo e profundo sentido.

Todo o estudo feito sobre a educação moral baseia-se na filosofia espírita, o que não poderia ser diferente, chamando-nos atenção esse ponto muito importante: não existe educação sem filosofia. Se não sabemos para que educamos, não teremos como educar.

Quais são os princípios da filosofia espírita da educação? Esse é o estudo que faremos agora, continuando nossos apontamentos em tomo de “O Livro dos Espíritos” e a educação.

Filosofia Espírita da Educação


É a filosofia espírita da educação muito rica, profunda e única quanto a fornecer parâmetros para a educação integral do ser, desde que o posiciona como Espírito imortal.

Na questão 917, lemos que “o egoísmo se enfraquecerá com a predominância da vida moral sobre a vida material “, e justamente a educação moral é o apanágio da filosofia espírita da educação, pois é o instrumento eficaz de combate do egoísmo e do materialismo.

Mas como promover a educação moral? A resposta a essa indagação está na questão 918 de “O Livro dos Espíritos”:

“O Espírito prova a sua elevação quando todos os atos da sua vida corpórea constituem a prática da lei de Deus e quando compreende por antecipação a vida espiritual”.

Levar o educando a operações concretas de observação dos fenômenos da natureza, à sua manipulação, para sentir a grandiosidade da Criação Divina e posicionar-se enquanto filho de Deus, com capacidade para transformar, para cooperar, mas não para criar, é construir nele a humildade e a solidariedade, a compreensão da importância da ecologia e assim por diante, quando então perceberá o funcionamento de leis sublimes regendo os aspectos físicos e morais da vida. Somente, assim, através da observação, do diálogo, da vivência, fará de seus, atos a prática da lei divina, que é lei de amor, bondade e justiça. Estamos falando de promover a espiritualização do ser.

Essa espiritualização concretiza-se na medida em que o Espírito se sensibiliza diante da vida, do próximo e de si mesmo, deixando de ser indiferente, no que os educadores (pais e professores) devem orientá-lo para o autoconhecimento ou auto-educação, conforme informação da questão 919:

“O conhecimento de si mesmo é portanto a chave do melhoramento individual”.

Esse conhecimento é tão importante que Allan Kardec, no comentário à questão 928A, alerta para os cuidados com a escolha da carreira profissional, pois freqüentemente sufocamos as tendências de nossos filhos ou de nossos alunos, não permitindo que eles descubram por si mesmos o que melhor lhes convém para as realizações do seu progresso intelectual e moral. Deixamos que as conveniências sociais se sobreponham às aptidões, motivo pelo qual disserta Kardec:

“Se uma educação moral o tivesse (ao Espírito) preparado acima dos tolos preconceitos do orgulho, jamais ele seria apanhado desprevenido.

Assim, continuando o raciocínio apresentado pelo “O Livro dos Espíritos”, podemos formular as características do homem moral, aquele que recebe a educação moral, conforme enunciado na questão 941:

* elevação acima das necessidades artificiais das paixões;
* moderação dos seus desejos;
* conduta de calma e serenidade;
* felicidade como bem que faz;
* superação das contrariedades sem dor.

Quando sofremos, devemos entender estar sofrendo as conseqüências de alguma violação das leis de Deus, pois não existe dor sem razão, o que nos leva ao entendimento que o homem moral, espiritualizado, dignificado no bem que prodigaliza, adiantado portanto, na escala da evolução, possui consciência tranqüila e uma existência repleta de felicidade, mesmo que não seja um “vencedor” na ordem social estabelecida. Esse é o resultado da educação moral à luz do Espiritismo, que esclarece as virtudes e suas conseqüências, levando o Espírito à plenitude de sua imortalidade. Novamente é Allan Kardec comentando os ensinos dos Espíritos Superiores, desta vez na questão 964.

“O Livro dos Espíritos”, como nos lembra Herculano Pires, é verdadeira obra pedagógica, repleta de novos ensinamentos, fornecendo ao homem o verdadeiro e profundo entendimento sobre a educação moral, sobre a arte da formação do caráter, que, quando colocada em prática na família e na escola, irá renovar os indivíduos e a sociedade.

Para tanto é preciso abordarmos o que se ensina ao Espírito reencarnado, principalmente no período da infância, e essa abordagem, calcada ainda em várias questões da obra básica, mostrará que o Espiritismo é doutrina construtivista do ser.

O que se Ensina ao Educando

Como dissemos, a filosofia espírita da educação preocupa-se com o “como se ensina e o que se ensina”, conforme a resposta dos Espíritos Superiores à questão 966:

“A criança compreende da mesma maneira que o adulto? Aliás, isso depende também do que se tenha ensinado: é nesse ponto que há necessidade de uma reforma.”

A pergunta da espiritualidade tem sobejas razões: a criança - espírito reencarnado - não compreende da mesma maneira do adulto, o que está provado pelas pesquisas da epistemologia genética, da psicologia da educação, do construtivismo. Não se trata de formulação filosófica, de especulação pedagógica, mas de fato comprovado.

Lembremos que em 1857 não tínhamos as formulações psicológicas de Herbart, nem a epistemologia de Jean Piaget, nem os estudos de Montessori, de Freinet e outros, O Espiritismo já formulava uma questão que somente ficou clara para o homem na segunda metade do século vinte.

E se a criança não compreende da mesma maneira que o adulto, o ensino que se pratica na família e na escola deve ser modificado, pois é um ensino preso a “achismos”, a “academicismos”, distante da realidade de vida da criança e ainda recheado de fantasia.

Esses são os motivos de vermos gerações se sucederem carregando o estigma do medo, do preconceito, do egoísmo, dos falsos valores, do materialismo.

Complementando o assunto, encontramos na questão 0974-A:

“Se ensinais coisas que a razão rejeitará mais tarde, produzireis uma impressão que não será durável nem salutar”

Através das produções cinematográficas, televisivas, games, histórias em quadrinhos, literatura ficcional, mantemos um ensino completamente fora do bom-senso, da lógica, misturando fantasias com criações bizarras, criando mundos imaginários sem conotação com a realidade, fazendo com que os heróis usem as mesmas armas dos bandidos, como se a paz pudesse ser conquistada através do uso da violência. E também, nas escolas e na família, ensinamos catedraticamente, sem o exercício do diálogo, do trabalho construtivo, teimando em utilizar exercícios prontos, fórmulas fechadas e discursos repetitivos.

Com o domínio de si mesmo, a criança, agora adolescente ou jovem, tenderá a rejeitar, talvez carregando frustrações, esse ensino equivocado.

O ensino deve transmitir a verdade da alma imortal, as razões da fé em Deus; trabalhar os valores morais e incentivar a conquista de virtudes. Deve voltar-se à formação do homem de bem com o homem no mundo, discutindo sua vida social, a questão das relações, a finalidade da existência. Deve trabalhar a sensibilização dos sentimentos; encorajar o educando à auto-educação e, finalmente, ensinar as ciências e a cultura de forma prática, para utilização no dia-a-dia.

E qual o resultado desse ensino?


A resposta está na questão 1019 de “O Livro dos Espíritos”:

“O bem reinará na Terra quando entre os Espíritos que a vem habitar os bons superarem os maus. Então eles farão reinar o amor e a justiça, que são a fonte do bem e da felicidade. É pelo progresso moral e pela prática das leis de Deus que o homem atrairá para a Terra os bons Espíritos e afastará os maus. Mas os maus só a deixarão quando o homem tenha banido daqui o orgulho e o egoísmo.”

Esse é o resultado do ensino espírita, da educação formulada segundo a filosofia espírita.

A proposta de uma pedagogia integral, considerando o educando um espírito reencarnado, trabalhando suas potencialidade intelectuais e emocionais, caracteriza a educação espírita, e que está toda em “O Livro dos Espíritos”, obra fundamental, base do Espiritismo.

O homem de bem construirá o reino de Deus na Terra, ou seja, viverá dentro dos princípios do amor e da justiça, considerando para todos direitos e deveres iguais. Para isso, há que progredir moralmente e esforçar-se para praticar o bem. Que melhor pedagogia do que esta?

É “O Livro dos Espíritos” uma verdadeira obra educacional, e destacamos neste estudo apenas as perguntas e respostas mais diretamente voltadas à educação, sem considerarmos várias questões que tratam das conseqüências da aplicação do Espiritismo como doutrina de educação.

Se podemos fazer um pedido a pais, evangelizadores, professores é este: estudem “O Livro dos Espíritos”!


Bibliografia:

O Livro dos Espíritos, Allan Kardec. Ed. FEESP, 1972.
Pedagogia Espírita, José Herculano Pires, Ed. EDICEL, 1ª.edição
Inteligência Emocional, Daniel Goleman, Ed. Nova Fronteira, 37ª edição.

Visão Espírita da Educação – Marcus Alberto De Mario

*Marcus Alberto de Mário é paulista, orador espírita. Exerceu a função de Assessor de Comunicação Social Espírita da USEERJ – União das Sociedades Espíritas do Estado do Rio de Janeiro e é o atual diretor do IBEM – Instituto Brasileiro de Educação Moral e integra o GEPE - Grupo de Estudo e Pesquisa Espírita.

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