terça-feira, 20 de março de 2012

O Legado de Delanne


Todos os que lerem os livros do discípulo, após ter estudado os do mestre, compreenderão que um e outro são os artífices de uma mesma ciência, de uma ciência magnífica entre todas, porque ela renovará um dia a humanidade.

Se Allan Kardec fixou os traços essenciais do Espiritismo, seu discípulo compreendeu maravilhosamente que lhe devia assegurar a difusão cada vez mais ampla, com o auxílio de trabalhos rigorosamente científicos, de tal forma que a ligação entre o mundo visível e o mundo invisível se tornasse mais íntima e mais profunda.

Gabriel Delanne livrou o Espiritismo kardecista das fórmulas dogmáticas e rígidas. Ele o apoiou em realidades experimentais rigorosamente científicas.

Como Allan Kardec, seguiu uma regra essencial, apresentando as ideias em termos e condições que as tornam facilmente compreensíveis para todo o mundo.

Nenhuma aridez em suas obras, embora tão científicas, nenhuma frieza, mas, ao contrário, um interesse sempre crescente, que faz sua leitura extremamente atrativa. O estilo de Gabriel Delanne é um instrumento de precisão científica a serviço do conhecimento humano.

Com um esforço infatigavelmente sustentado, o brilhante escritor pôs em ação toda a sua capacidade intelectual para extrair da experimentação e do raciocínio científico as provas positivas da realidade da sobrevivência.

Ele examinou cuidadosa e metodicamente cada uma das modalidades do fato espírita; por uma análise rigorosa de cada um deles, chegou a dar a solução racional, que ele trata de apresentar razoavelmente em face da ciência positiva.

Sempre buscando o termo exato, Gabriel Delanne evitou empregar a metáfora, pois esta tanto parece útil para dar a certas literaturas filosóficas toda a força que lhes é necessária, como é inútil e deslocada, quando se trata de demonstrar o valor e o começo de uma experiência científica qualquer.

Muito comumente, os filósofos idealistas não têm ousado ou sabido vencer a rigidez de certas fórmulas, ficaram bem distantes do bom senso sólido das massas, sempre espantadas pelo aspecto um pouco árido das ciências abstratas.

Gabriel Delanne teve o grande mérito de compreender que as fórmulas científicas nada perdem por serem impregnadas de ideal, para torná-las compreensíveis a todos. Adotou a linguagem simples e lógica, pela qual elas se tornam magnificamente claras e precisas.

Os livros de Gabriel Delanne são necessários a todos aqueles que abordam o estudo do Espiritismo e das ciências ocultas, porque as teorias que encerram são suscetíveis de dar a todas as pessoas sérias bases perfeitas para facultar seu raciocínio.

Os adversários do Espiritismo moderno têm negado obstinadamente a realidade de tantos fatos facilmente explicáveis por meio das teorias realmente científicas; têm afirmado tantas tolices, que é indispensável ter sob nossas mãos, para consultá-los, livros preciosos como os do nosso mestre.

Eles ficarão, como os de Allan Kardec e Léon Denis, verdadeiras obras básicas necessárias a todos os pesquisadores que, sem prevenção, resolvem estudar o Espiritismo, da mesma forma que uma outra ciência, com o desejo sincero de se instruir e de prestar serviço à humanidade, que deve depurar-se e progredir, para se aproximar cada vez mais de seu Criador.

Eis por que forneceremos uma relação sumária da obra admirável de Gabriel Delanne.

Aqui vão, com a data da primeira edição, os livros que ele escreveu:
• O Espiritismo perante a ciência 1885
• O Fenômeno Espírita 1896
• A Evolução Anímica 1897
• Pesquisa sobre a Mediunidade 1898
• A Alma é Imortal 1899
• As Aparições Materializadas dos
Vivos e dos Mortos (1º volume) 1909
• Idem (2º volume) 1911
• Documentos para servir ao
Estudo da Reencarnação. 1927

Além dessas obras, Gabriel Delanne tem, em colaboração com Bourniquel, um livro intitulado Ouçamos os Mortos.

Ele preparava, no momento de sua morte, já o dissemos, em colaboração com Andry Bourgeois, uma obra sobre ideoplastia.

Análise detalhada da obra de Gabriel Delanne será feita um dia por um de nós, mas como o quadro desta biografia não permite longos pormenores, limitar-nos-emos a dar um resumo do índice de cada volume. O leitor avaliará, assim, da diversidade dos assuntos tratados, do conjunto e da vastidão das ideias filosóficas estudadas.

A primeira obra de Delanne, O Espiritismo perante a Ciência, apareceu em 1885. O autor colocou no frontispício desse volume a seguinte tocante dedicatória:

“Dedico este livro a meus pais, cuja ternura e solicitude tornaram bem doces os primeiros anos de minha vida.”

Admirável atenção de um filho respeitoso e amoroso, que mostra Gabriel Delanne com todo o seu coração repleto de piedade filial. O livro apresenta um interesse considerável pela sequencia dos assuntos tratados. Está dividido em cinco partes.

O capítulo I da primeira, bem curto, é consagrado ao exame das diversas filosofias que se ocuparam com a alma e suas funções. O capítulo II, muito importante, examina o cérebro. É particularmente interessante citar aqui a conclusão desse capítulo:

“De todas as teorias examinadas, nenhuma nos conduz à certeza de que a alma não seja uma entidade. Ao contrário, num exame atento, chega-se à convicção de que o espírito ou a alma realmente existe e que manifesta sua presença em todas as ações da vida.

Nem os profundos conhecimentos químicos de Moleschott, nem o talento dos sábios como Broussais, Buchner, Karl Vogt, Luys, etc., conseguirão negar a crença na alma, nem ao menos duvidar de sua realidade.

Há um século, temos ao nosso dispor um poderoso instrumento de investigação, que nos revela a maneira mais formal da existência da alma; queremos falar da ciência magnética.

Com fatos fornecidos pelo magnetismo, separou-se a alma do corpo; ela se destaca desse último e manifesta sua realidade com fenômenos surpreendentes, apresenta-se nitidamente separada de seu envoltório carnal e vivendo uma existência especial.”

Essa conclusão coloca, assim, a questão em seu verdadeiro domínio: o terreno científico. Mostra, bem claramente, que todas as hipóteses científicas vão ser examinadas pelo autor, a fim de destacar a que pareça apresentar a mais ampla verdade, ao mesmo tempo adequada aos conhecimentos humanos.

A segunda parte compreende o magnetismo e sua história, o sonambulismo natural, o sonambulismo magnético e o hipnotismo. A terceira parte apresenta as provas da imortalidade da alma pela experiência, as teorias dos incrédulos e o testemunho dos fatos e as objeções. A quarta parte, a mais importante, nos mostra uma definição precisa de perispírito, as provas de sua existência, sua utilidade, seu papel, o que vem a ser após a desencarnação e qual é sua composição. A quinta parte trata de algumas espécies de mediunidade.

O Espiritismo perante a Ciência deveria ser lido e relido por todas as pessoas que desejam tratar de Espiritismo, mas após a leitura preliminar dos livros de Allan Kardec e Léon Denis.

Lamentavelmente, o Espiritismo é, muitas vezes, praticado sem estudo prévio e assistimos, então, a experimentações ridículas e grotescas, que parecem justificar as zombarias fáceis de alguns jornalistas desinformados ou alguns espíritos críticos, cuja ignorância e fatuidade superam tudo o que se possa imaginar.

Muitas pessoas aceitam facilmente as histórias ridículas lançadas, seja a favor do Espiritismo ou contra ele. A leitura atenta de O Espiritismo perante a Ciência esclareceria e, sobretudo, conciliaria todos. Teria a vantagem de dar segurança aos que começam a estudar a filosofia kardecista, mostrar-lhes-ia que o Espiritismo é uma ciência que desvenda todo um mundo de mistérios, que torna patentes as verdades eternas.

Toda a obra de Delanne nos apresenta uma série de observações que autorizam deduções rigorosamente científicas. Essas deduções nos permitem entrever a verdade, nos aproximarmos dela cada vez mais, embora os caminhos que conduzem até ela sejam árduos e difíceis, mas podemos estar certos de ver seu clarão aumentar diante de nossos olhos maravilhados.

Com o sucesso obtido pela obra O Espiritismo perante a Ciência, Gabriel Delanne decidiu prosseguir sua propaganda pelo livro, em favor da Doutrina kardecista, e em 1897 publicava uma nova obra, O Fenômeno Espírita, que continha em suas páginas os testemunhos dos sábios de todos os países, testemunhos que fariam homenagem à verdade, afirmando de forma precisa a realidade dos fenômenos.

Delanne havia posto na abertura dessa notável obra a célebre afirmação de William Crookes:

“Eu não digo que isso é possível, digo que existe.”

Assim como a opinião de Victor Hugo:

“Evitar o fenômeno espírita, negar atenção a quem tem direito é negar a verdade.”

Aliás, Gabriel Delanne teve cuidado de pôr no fim desse livro uma lista numerosa das notabilidades que haviam afirmado a realidade dos fenômenos espíritas. Nada melhor podemos fazer do que citar aqui um resumo do Prefácio, que poderia ser escrito ainda hoje, tanto parece ajustar-se à nossa época. Qualquer comentário sobre as linhas que transcrevemos só poderia enfraquecer o brilho de tal exposição, cuja precisão nada deixa a desejar.

“O Espiritismo é uma ciência que tem por objeto a demonstração experimental da existência da alma e de sua imortalidade, por meio de comunicação com os impropriamente chamados mortos.”

Faz cerca de meio século que as primeiras pesquisas sobre esse assunto foram realizadas; homens de ciência, do mais alto valor, consagraram longos anos de estudos para constatar os fatos, que estão na base dessa ciência, e foram unânimes em afirmar a autenticidade real desses fenômenos, que pareciam fruto da superstição e do fanatismo.

Não são conhecidas essas pesquisas na França, ou as conhecemos mal, de sorte que o Espiritismo aparece sempre aos olhos do grande público como a farsa das mesas girantes.

Entretanto, o tempo fez a sua obra e essa doutrina apresenta hoje ao examinador imparcial uma série de experiências rigorosas, metodicamente conduzidas, que provam de uma forma concludente que o “eu” humano sobrevive à desagregação corporal.

São esses resultados que desejamos expor, a fim de que implantem em todas as consciências a convicção da imortalidade, não mais buscada somente na fé ou no raciocínio, mas solidamente fixada na Ciência, procedendo segundo seu severo método positivo.

A geração atual está cansada das especulações metafísicas, recusa crer no que não é absolutamente demonstrado e, se o movimento espírita, que já conta com milhões de adeptos no mundo inteiro, não ocupou o primeiro lugar é porque seus seguidores têm se descuidado muito, até agora, de pôr aos olhos do público fatos bem constatados.

É tempo de reagir contra os bonzos oficiais, que tentam abafar as novas verdades, afetando uma desdenhosa indiferença. Do mesmo modo que temos respeito e admiração pela ciência, sem opinião preconcebida, por aquela que encara imparcialmente todos os fenômenos, estuda-os e os explica friamente, deles fornecendo boas razões, também sentimos indignação contra a falsa ciência, rebelde a todas as novidades, encerrada em suas convicções adquiridas e crendo orgulhosamente ter atingido os limites do saber humano.

São esses seres, dizemos como Wallace, que fizeram oposição a Galileu, a Harvey, a Jenner. São esses ignorantes ridículos, que recusaram as maravilhosas provas da teoria das ondulações luminosas de Young; são os que achincalharam Stephenson, quando ele quis empregar locomotivas sobre linhas férreas de Liverpool e Manchester.

Eles tinham muitos sarcasmos contra a iluminação a gás, e condenaram Arago, no próprio seio da Academia, quando ele quis tratar da telegrafia elétrica. Não são esses mesmos seres ignaros que afirmavam que o magnetismo não passava de charlatanismo e velhacaria e que qualificavam a descoberta do telefone como tapeação americana? Não é pelo vão prazer de mostrar quanto o espírito humano, mesmo nas classes mais esclarecidas, está sujeito a erro, que citamos alguns exemplos mais chocantes da obstinação dos sábios e de seu horror pelas novidades. É para suscitar um movimento sério em favor dessas pesquisas, que têm uma abertura considerável, tanto no domínio material como no campo psíquico.

Se, realmente, a alma não morre e pode agir sobre a matéria, nós nos achamos em presença de forças desconhecidas que é interessante estudar; constatamos, por isso mesmo, novos modos de energia que nos podem conduzir a grandiosos resultados.

Como a personalidade se conserva após a morte, ficamos em face de um outro problema: o do pensamento produzido sem os órgãos materiais do cérebro. Deixemos de lado os rotineiros, os obstinadamente encarcerados em seus sistemas, abramos bem os olhos para homens probos, sábios e imparciais quando nos falam de descobertas recentes e fechemos os ouvidos às gritarias de todos os impotentes do pensamento, que não podem sair do hábito das ideias preconcebidas.

É em nome do livre pensamento que convidamos os pesquisadores a se ocuparem com nossas investigações. É com insistência que lhes pedimos não recusarem, sem exame, esses fatos tão novos e tão mal conhecidos e ficaremos persuadidos de que a luz brilhará diante de seus olhos, como iluminou os homens de boa-fé que, há 50 anos, quiseram estudar esse problema do Além, tão temível e tão misterioso, antes dessas descobertas.

* * *

No livro A Evolução Anímica, publicado em 1897, Delanne apresentou um estudo geral da vida entre os seres organizados, uma análise bem pormenorizada do perispírito e como ele pôde adquirir as propriedades funcionais. Num outro capítulo, tratou da memória e das personalidades múltiplas.

Como as obras anteriores, esse livro apresenta um interesse considerável e sua leitura é necessária a toda pessoa que deseje conhecer o Espiritismo. A teoria da reencarnação é nele apresentada claramente:

“Com a certeza das vidas sucessivas e da responsabilidade dos atos, muitas questões se apresentarão sob outros aspectos. As lutas sociais, que tomam, em nossa época, um terrível caráter de aspereza, poderão ser amenizadas pela convicção de que a duração de uma existência nada mais é do que um movimento transitório na eternidade da evolução.

Com menos orgulho para os do alto e menos inveja para os de baixo, uma solidariedade efetiva nascerá, ao contato com essas consoladoras doutrinas e por certo nos será permitido ver desaparecer as lutas fratricidas, estúpidos produtos da ignorância, dissipando-se diante dos ensinamentos de amor e de fraternidade, que são a brilhante coroa do Espiritismo.”

Tais palavras são hoje bem atuais; apresentam uma importância cada vez maior, porque são confirmadas pelos fatos e encontram sua consagração graças à continuidade do esforço perseverante dos homens de boa vontade.

* * *

A obra mestra de Gabriel Delanne é, sem contestação, As Aparições Materializadas dos Vivos e dos Mortos; esses dois volumes, por si sós, forneceriam matéria para numerosos volumes de comentários.

Digamos simplesmente que, no primeiro volume, Gabriel Delanne não deixa sem resposta nenhuma das objeções que são feitas à existência da alma dos vivos. Para prová-lo, fornece uma documentação extraordinária, baseada em múltiplas experiências científicas. No segundo volume, mostra a analogia existente entre o que se passa durante a vida dos seres e o que acontece quando, não tendo mais o corpo físico, podem, todavia, manifestar sua sobrevivência através de comunicações post mortem.

Daqui a alguns séculos, quando os historiadores desejarem tornar conhecido o que havia na época da barbárie, quando existiam materialistas, os humanos dessa época ficarão muito espantados ao constatarem que os metapsiquistas nada tinham inventado.

Todas as suas supostas descobertas estão nos livros dos espíritas, que eles desdenham.

Provas constantes se encontram, ao percorrermos as páginas de As Aparições Materializadas dos Vivos e dos Mortos.

É verdade que Gabriel Delanne, sábio de linguagem clara, empregava os termos comuns, enquanto que os metapsiquistas julgavam necessário, para se fazerem interessantes aos olhos das massas ingênuas, inventar termos de pronúncia difícil.


Dezembro 1927 – Janeiro 1929, Paris – Butry

Do livro “Gabriel Delanne, sua vida, seu Apostolado, sua Obra”, de Paul Bodier e Henri Regnault

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