quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Desafio de Educar para a Cidadania


Por Janine de Lucena Costa*

A necessidade de estruturar um trabalho educacional na área da cidadania surgiu do nosso convívio com as crianças de uma escola particular, na qual, atuávamos como Orientadora Educacional. Sendo uma instituição localizada em um bairro nobre da cidade, lidávamos com educandos pertencentes a um nível sócio- econômico elevado.

Mas na rotina de trabalho não era raro depararmos com situações de consumismo exagerado, crises de individualismo e competitividade experimentadas por crianças e adolescentes socialmente privilegiados. Nada distante da situação vivida por uma sociedade excessivamente presa aos bens materiais, atitude reforçada pela ostensiva propaganda da mídia descomprometida de nossos dias a divulgar que a felicidade só se concretiza através do TER e não do SER.

Infelizmente, expressiva parcela de adultos, acredita que cumpre efetivamente um grande papel, na medida em que orientam os filhos para que se sobressaiam a qualquer custo na “selva de pedra” em que se converteu o nosso universo social. E acabam por estimular sentimentos negativos do tipo: só se habilitam à vitória aqueles que levam vantagem em tudo, independentemente da circunstância. Tal caminho resulta no espetáculo lamentável assistido pela sociedade contemporânea, ou seja, jovens seduzidos pelo comportamento marginal por falta de contato com projetos de vida e ausência de responsabilidade social.

Perplexos, assistimos, quase que semanalmente, notícias veiculadas pela imprensa nos dando conta de atitudes impensadas por parte de adolescentes integrantes das classes economicamente mais favorecidas a protagonizarem atos incivilizados de vandalismo e, às vezes, de violência gratuita contra os próprios pais.

O objetivo deste trabalho, em princípio, visa conscientizar a comunidade sobre a necessidade de repensar valores tão arraigados ao organismo social. Como exemplo, citamos a busca individualista totalmente despida de valores éticos a obstaculizar o progresso da coletividade.

Será que é isto que queremos?

Atualmente, o mundo enfrenta a terrível realidade de não ser sustentável. Isto significa dizer que em breve nos confrontaremos com a insuficiência de recursos naturais. Em consequência, as crianças precisam, desde cedo, se conscientizarem de suas responsabilidades perante o mundo, pois afinal, estão inseridas no contexto global da criação. Urge o conhecimento que assinala os valores humanitários como parte integrante da vida delas, valores destacados que se encontram muito além do egoísmo e da ambição desmesurada a ditarem as normas de um viver inconsequente.

O imenso desafio que divisamos pela frente é incentivar o compromisso que cada criança deverá selar com a própria consciência, com a coletividade e com o bem estar geral do planeta; é não deixar que a juventude negligencie suas responsabilidades perante um mundo tão afetado pela inconsequência dos poderosos e pelo desamor de muitos.

A escola e a família não podem se esquivar desta tarefa fundamental. Se prestarmos cuidadosa atenção, verificaremos que a maioria das crianças, lá na intimidade, manifesta o impulso da solidariedade compassiva.

Compete aos pais utilizar tais características em prol dos objetivos enobrecidos da vida. São aptidões que, se trabalhadas desde cedo, tornarão mais facilitada a tarefa educativa, de modo a nos permitir a colheita de frutos dulcificados no futuro. Vale ressaltar que ninguém precisará abandonar seus sonhos e desejos mais recônditos, mas apenas conciliá- los com as iniciativas que se revertam em benefícios para a coletividade.

Mahatma Ghandi, líder pacifista indiano, dizia: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”.

É trabalhando o altruísmo e o desprendimento que estaremos ajudando a criança a descobrir, através de sua potencialidade o verdadeiro papel que lhe diz respeito na sociedade moderna.

Inclusive, não é difícil auxiliá-la na busca de uma profissão futura que lhe proporcione satisfação verdadeira e não somente a obtenção do dinheiro.

Infelizmente, certos progenitores não atentam para uma questão sutil de imensa repercussão futura na felicidade dos filhos: nem sempre uma determinada profissão rendosa é a mais condizente com as aptidões do jovem. Em verdade, uma profissão imposta pode acarretar problemas de ordem psicológica ao indivíduo inadaptado à função sugerida pelos genitores, pois na prática, a criatura não se reconhece capaz nem satisfeita em desempenhar tarefa não condizente com a própria habilidade vocacional.

Todavia, quando o sujeito encontra- se no desempenho de seu verdadeiro labor, destaca- se por servir à sociedade de uma forma útil e verdadeiramente honesta, pois demonstra imensa satisfação naquilo que realiza. E muitas vezes, não se importará de disponibilizar em prol dos menos favorecidos, algumas horas na semana, sem a preocupação de angariar retorno financeiro, pois estando consciente de seu papel social estará ali somente cumprindo o dever de cidadania plena. A propósito deste nosso comentário relembremos um texto atribuído ao ex-presidente sul- africano, Nelson Mandela:

“Os meninos de Deus.

Nosso medo mais profundo é saber que somos poderosos além da conta. É nossa luz, não a nossa obscuridade o que mais nos assusta. Nos perguntamos: — Quem sou eu para me sentir brilhante, atraente, talentoso, poderoso? Mas, na realidade, quem é você para não sê-lo? Você é um menino de Deus. T eu jogo de ser insignificante não serve ao mundo. Não tem nada de iluminação fazer- te menor, para que as outras pessoas não se sintam inseguras ao teu redor. Todos podemos brilhar, tal como fazem os meninos. Todos nascemos para manifestar a glória de Deus que se encontra em nosso interior. Esta glória não está dentro de uns poucos, está dentro de todos nós. Quando permitimos que nossa própria luz brilhe, inconscientemente damos a outras pessoas a oportunidade de fazer o mesmo. À medida que vamos liberando nossos medos, nossa presença libera os outros automaticamente”.

Quanto mais elevado e menos egoísta for o nosso ideal, mais o Universo conspirará a favor de sua concretização.

Penso que a nossa obrigação é a de colaborar decididamente com as crianças e jovens, visando introjetar em suas mentes os mais puros ideais de cidadania e responsabilidade. Ninguém atinge a felicidade plena compactuando com o erro, sem nada fazer para atenuar o problema.

Acredito que toda proposta de mudança da mentalidade vigente crie alguns atritos e reações contrárias, mas não é impossível de se estabelecer, pois no presente caso, estaremos lidando com crianças que no dizer de Mandela, trazem a potencialidade da “luz” interna, muitas vezes, eclipsada pelo nosso descaso ou maneira inadequada de educar.

O momento histórico nos convida a trocar as trevas que nos oblitera a visão pela realidade da luz que clareia as mentes despidas de preconceitos. Somente assim transformaremos a nossa morada planetária em um local iluminado, onde o nosso jovem possa conviver harmonicamente com os demais semelhantes, a exemplo do que acontece num imenso lar equilibrado e harmônico.

*Psicopedagoga Clínica, Brasília-DF

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