sábado, 31 de outubro de 2015

Não te canses de Amar...


A multiplicidade de cores neste amanhecer, adornando a paisagem de uma beleza incomparável, anuncia um novo dia com promessas indefiníveis... Colorindo as nuvens em tons rosáceos, o Sol ainda não despontou por trás da montanha, mas já altera a imagem que descortino nesta contemplação que me emociona, modificando a cada segundo a tonalidade das cores que se acentuam e chegam a nuanças mais intensas e avermelhadas para logo depois suavizarem...

A cada nova percepção, na qual me demoro em reflexões, a paisagem muda, conservando a luminosidade do Sol que, agora, mais próximo em seu despontar, vai colorindo em tons dourados a montanha que desperta.

Tocados pela magia do alvorecer em sua beleza imensurável, quando o coração, sob a égide do amor, colore como o Sol benfazejo tudo o que toca e atinge, procuramos com nosso pensamento irradiar a gratidão pelas bênçãos da vida e pelo que ela nos presenteia neste alvorecer.

Oramos e agradecemos a Deus por um novo dia!

Nestas divagações, que procuro realizar a cada despertar, antes de assumir os deveres de cada dia, busco em meu íntimo a valorização de tudo o que a vida me concede em dádivas de amor, de oportunidades de trabalho no bem, nas afeições queridas que plenificam meu viver, nos valores morais que amealhei ao longo desta caminhada.

Reconheço que ainda estou longe de tudo o que posso melhorar para compensar o que tenho recebido através da misericórdia divina, em vidas sucessivas nas quais busco a perfeição moral.

Mas, estou feliz pelo que já conquistei neste entardecer da vida e hoje, quando escrevo sobre conflitos familiares, quando falo no poder do amor suavizando as dores da alma, na riqueza do conhecimento que nos leva a refletir mais demoradamente sobre nossa destinação na Terra, consigo agradecer, com profundo sentimento a Deus, pela vida que esplende diante de mim. Nessa imersão em pensamentos de paz e amor, sinto que estou conseguindo vencer minhas dificuldades, aprimorando meu ser.

Comprova o que sinto o despertar da espiritualidade que se acentua na mesma proporção em que envelheço, e vou, através do bem que já posso realizar, adquirindo a maturidade emocional indispensável para viver o amor em toda a sua plenitude, conquistando a paz que tanto almejo.

Toda esta abertura que a admiração da natureza imprime em meu ser, desperta recordações do que devo repassar para você, querido leitor, nesta manhã. Falo de vivências familiares, do lar como o santuário de bênçãos onde aprendemos e exercitamos a paciência, o perdão, a compreensão e a tolerância, possibilitando-nos assim enfrentar as agruras da vida em sociedade, na qual teremos que desenvolver com maior intensidade estas virtudes assimiladas no dia a dia junto ao grupo familiar.

Emmanuel nos leciona com sabedoria:

A casualidade não se encontra nos laços da parentela. Princípios sutis da Lei funcionam nas ligações consanguíneas.

Impelidos pelas causas do passado a reunir-nos no presente, é indispensável pagar com alegria os débitos que nos imanam a alguns corações, a fim de que venhamos a solver nossas dívidas para com a humanidade.1

Essa compreensão maior das leis da vida torna-nos mais aptos a vencer as dificuldades no relacionamento familiar e assim, movidos pelo amor, vamos amenizando as feridas da alma, aparando as arestas da animosidade latente e suavizando a convivência, por vezes tão áspera.

Creio que a dificuldade maior, em se tratando de convivência familiar, está no apego excessivo aos que caminham conosco, nas atitudes de egoísmo com relação aos direitos alheios e nas exigências descabidas de afetos, de considerações que ainda não dispensamos aos outros, exigindo da vida, distraídos de nossos deveres, o que não doamos, movidos pelo egoísmo.

Considero a gentileza o primeiro estágio para aprendermos a amar e tolerar o próximo. E quando digo – próximo – falo daquele que está ao nosso lado na vida diária, principalmente no lar. Aprendamos a respeitar os que amamos, ou pretendemos amar, como desejamos que nos amem e respeitem. Não façamos dos entes queridos objetos de nossa satisfação e de atitudes egoísticas, usando-os como se fossem seres sem desejos próprios ou sonhos pessoais.

No lar iremos aprender a exercitar o despojamento, o respeito, a ternura de amar sem exigir reciprocidade, a renúncia, a caridade moral, erguida em alicerce sólido e duradouro do exemplo, do amor, da solicitude e da compaixão.

Leciona o Benfeitor espiritual:

Aprendamos a viver com todos, tolerando para que sejamos tolerados, ajudando para que sejamos ajudados, e o amor nos fará viver, prestimosos e otimistas, no clima luminoso em que a luta e o trabalho são bênçãos de esperança.2

Quem ama o próximo aprende, antes de qualquer coisa, a compreender, porque o amor tem este poder mágico de transformar os sentimentos, melhorando-os e educando-os para externar as intenções com relação ao outro, edificando a paz em nosso íntimo e estendendo-a aos que convivem conosco.

Nesta compreensão maior de nossa destinação espiritual e dos reais objetivos da vida, ampliando o discernimento em torno do sentido existencial, iremos fortalecendo nossa fé, aprimorando o mundo íntimo e enriquecendo-o dos valores imperecíveis que serão, realmente, aquisições permanentes e estáveis.

Jesus, o educador por excelência e psicoterapeuta ideal, quando estabeleceu as bases de sua doutrina no amor, sabia que este seria o caminho de nossa redenção espiritual.

Em todas as situações dolorosas, somente o amor nos dará subsídios para vencer e não nos deixarmos levar pela animosidade, pelo desconforto do desânimo e da intolerância.

Enumeramos algumas situações que nos constrangem e poderão nos levar ao desânimo:

• julgamento descaridoso perturbando os planos de serviço;
• enfermidade dominando nossas forças;
• incompreensões e dificuldades no lar;
• decepções com a vida e com os que amamos;
• perdas e separações que amarguram.

E a nobre Benfeitora espiritual concita-nos:

O amor é bênção de que dispões em todos os dias da tua vida para avançares e conquistares espaço no rumo da evolução. Não te canses de amar, sejam quais forem as circunstâncias, por mais ásperas se te apresentem. A Doutrina de Jesus, ora renascida no pensamento espírita, é um hino canção de amor, assinalando a marcha do futuro através das luzes da razão unida à fé em consórcio de legítimo amor.3

Joanna de Ângelis, em várias exortações ao amor, como a única solução para nossos problemas vivenciais, alerta-nos quanto à necessidade deste sentimento nobre em várias circunstâncias e estabelece normas que constituem as únicas capazes de nos conduzir com segurança para a conquista da paz e da serenidade íntima.

No lar, escola que edifica nossas almas, o amor agirá como o sentimento nobre que nos liberta e redime, conclamando-nos à compreensão e à generosidade diante de todos os que caminham ao nosso lado.

Somente assim, encontraremos a perenidade das coisas que nos convêm, agindo como alavancas de nosso crescimento moral.


Lucy Dias Ramos

Referências:
1 XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 6. imp. Brasília: FEB, 2013.
2 ______. ______. cap. 158.
3 FRANCO, Divaldo P. Viver e amar. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. 4. ed. Salvador: Leal, 2010. cap. 1.

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

A infatigável busca pela Partícula Fundamental da Matéria


Na Grécia Clássica, o filósofo Leucipo de Mileto e seu discípulo Demócrito de Abdera fundamentaram a teoria atomista, segundo a qual a menor partícula da matéria seria o átomo, tido como uma esfera sólida, indivisível e impenetrável.

A concepção acerca da porção mínima da matéria começou a mudar quando Sir William Crookes (1832-1919), físico e químico inglês, conhecido no meio espírita pelas experiências efetuadas com a médium inglesa Florence Cook (1856-1904), realizou ensaios que levaram à conclusão sobre a existência dos raios catódicos. Foi investigando os ensaios de Crookes que o físico alemão Gotthilf-Eugen Goldstein (1850-1930) vislumbrou a existência do próton, em 1886, e o físico britânico Joseph John Thomson (1856-1940) entreviu, em 1897, a existência do elétron. Ambas as descobertas colaboraram para que se sepultasse, definitivamente, o Atomismo de Leucipo e Demócrito. O átomo não era mais a mínima fração da matéria.

Desde que tais descobertas foram efetivadas, até os dias de hoje, a corrida em busca da menor subdivisão da matéria tem ocupado o tempo e a mente de físicos teóricos. No decorrer de diversas teorizações e experimentações, fracionou-se o próton em quarks, entreviram-se novas partículas atômicas, os férmions, os hadrons, dentre outras. Enfim, busca-se a mínima fração que venha a compor a essência primordial de toda a matéria existente, seja ela em seu estado gasoso, líquido, sólido ou plasmático. Como consequência de tais investigações, surgem hipóteses diversas, as mais conhecidas são: a do Bóson de Higgs – espetaculosamente chamada “partícula de Deus” – e a Teoria das Supercordas.

Cerca de 15 anos antes de Crookes desenvolver a ampola que resultou na descoberta dos raios catódicos, em meados do século XIX, um grupo de pessoas, praticamente desconhecidas dos cientistas da época, se reunia em Paris. Durante seus encontros, o seleto grupamento realizava um trabalho sério e disciplinado. Porém, mesmo considerando sua circunspecção, provavelmente quase todos os especialistas da Física e da Química repudiariam seus propósitos ao saber que eles buscavam respostas para questões humanas cruciais, não por meio da prática empirista, única reconhecida como válida pela Ciência, mas por meio de perguntas realizadas a Espíritos que outrora animaram personalidades na Terra.

Em determinada ocasião, o educador, escritor e tradutor francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (1804-1869), dirigente daqueles encontros, o qual, posteriormente, viria a ser conhecido como Allan Kardec, o Codificador do Espiritismo, deparou-se com um dilema. O professor queria melhor entender como se davam as relações entre espírito e matéria. Para tanto, seria necessário aprofundar-se nas indagações e nos estudos.

Foi quando os Espíritos da Codificação explicaram que toda a matéria existente no Universo, inclusive aquela que constituía o corpo espiritual – perispírito –, deriva de um único e primordial elemento, e deram a esse elemento o nome de Fluido Cósmico Universal. Para Kardec e seus seguidores, estivessem ou não habituados às questões da Física, a resposta satisfazia, principalmente por considerar-se a fidedignidade de suas fontes. Partindo daquela informação, o Codificador aprofundou-se no estudo das questões dos fluidos, desenvolvendo interessantíssimos trabalhos sobre o tema.

Infelizmente, a esmagadora maioria dos físicos e químicos de hoje desconhecem as perguntas e respostas dadas durante aquelas reuniões. É até provável que debochassem, se ouvissem o termo “fluido” como referência à unidade básica de toda a matéria existente, ainda que aquele vocábulo estivesse perfeitamente contextualizado ao momento histórico em que foi concebido. Ainda assim, devemos aproveitar a oportunidade para estabelecer correlações entre o Espiritismo e a Ciência humana. Enquanto aquele atesta a existência de uma origem basilar para toda a matéria universal, os representantes da Ciência contemporânea empenham-se em pesquisas, porque estão convictos da existência de uma única fonte para toda a matéria existente no Universo.

Afinal, todos falam sobre a mesma coisa, mesmo que divirjam na terminologia adotada e no método utilizado para conceber a ideia. Em futuro próximo, quando a Espiritualidade e a Ciência não estiverem em lados tão opostos do conhecimento humano, estabelecer-se-á um diálogo entre essas duas áreas, e dúvidas, como a da procedência da matéria, serão mais facilmente dirimidas. Nessa hora, indubitavelmente, Espíritos dos físicos e químicos que pesquisaram a constituição íntima da matéria colaborarão de forma imprescindível, consolidando mais uma conquista em benefício da evolução humana, rumo à sua imperiosa ascensão espiritual.


Licurgo Soares de Lacerda Filho


Referências:

Disponível em: http://www.portalsaofrancisco.com.br/ . Acesso em: 2/5/2011.
Disponível em: . http://www.mundofisico.joinville.udesc.br/ Acesso em: 2/5/2011.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 91. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010.
LOUREIRO, Carlos Bernardo. As mulheres médiuns. 3. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2008. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. PALHANO JR. L. Dicionário de filosofia espírita. Rio de Janeiro: CELD, 2009.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

A recompensa da Virtude


Acima de todas as crenças a respeito do futuro, a evolução do Espírito permanece como o único processo que se pode harmonizar com as descobertas da Ciência, sobre a evolução dos seres e das formas. Por ela reconhecemos o futuro humano como troféu de esforços repetitivos, por meio de incontáveis experiências da vida presente, a se aglutinarem na memória profunda do Espírito ao longo de suas múltiplas vidas. A constatação dessa realidade, universalizada nas questões 166 a 170 de O Livro dos Espíritos(LE), foi proposta antes de forma obscura e carregada de alegorias por vários sistemas religiosos. Também no registro de vários filósofos antigos e modernos podemos verificar a necessidade do progresso da alma, o que caracteriza a lei da evolução como uma das mais elementares funções do Universo. Tais constatações demonstram o caráter universal do Espiritismo. No capítulo 17 de O Evangelho segundo o Espiritismo (ESE), Allan Kardec reinstituiu o justo valor dos versículos 46 a 48 do quinto capítulo do Evangelho de Mateus quando Jesus afirma em síntese: “Sede, pois, vós outros, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial”. Como tais palavras fariam sentido diante da recompensa fácil do paraíso, proposta por interpretações literais e dogmáticas do Cristianismo? A chave trazida pelo Consolador iria explicar formidavelmente esse mandamento, aparentemente redundante, que o evangelista registra como do próprio Cristo.

Como dissemos, alguns filósofos antes de Kardec sentiram o progresso humano como uma necessidade. Um deles foi o filósofo inglês David Hume1 (1711-1776) que em seu ensaio O Estoico (1752)1 descreve estágios para o progresso do homem, desde sua natureza primitiva até o último nível que ele chama “homem de virtude” ou “verdadeiro sábio”. Nosso objetivo aqui é traçar um paralelo entre o que escreve Hume naquele texto e as conclusões de Kardec e dos Espíritos no capítulo 17 do ESE. Antes, porém, façamos uma breve introdução a Hume. Ele foi um dos principais filósofos da escola conhecida como empirismo. Segundo ela, apenas da experiência poderia derivar nosso conhecimento sobre a existência das coisas externas. Junto com George Berkeley (1695-1753) e John Locke (1632-1704), Hume pode ser considerado um dos mais influentes pensadores da filosofia ocidental. Não é nosso propósito aqui fazer uma análise profunda de O Estoico. Pretendemos apenas analisar algumas passagens e compará-las a noções de progresso e de evolução espiritual que estabelecem a base para a lei moral como uma justiça natural que governa todos os seres e coisas. No que segue, o que está em destaque são trechos de O Estoico.

O objetivo do autor é descrever o esforço que o homem deve fazer para o seu progresso moral, através de vários estágios que Hume justifica com base nos costumes adquiridos com a civilização. Segundo Hume, Deus distinguiu os homens dos outros animais por ter dotado aquele de um “sublime espírito celeste, conferindo-lhe certa afinidade com os seres superiores”. Para Hume o progresso do homem pode ser descrito na forma de três estágios fundamentais: o do homem incivilizado que usa “paus e pedras como defesa contra as rapaces feras do deserto”; o do homem civilizado que se tornou habilidoso no trato de ferramentas, no desenvolvimento das artes e das ciências graças à Natureza e, finalmente, o homem virtuoso que Hume também chama de verdadeiro filósofo, que “comanda seus apetites, subjuga suas paixões e a quem a razão ensinou a atribuir um justo valor a todo objeto de desejo”. Embora sem as noções de progresso espiritual e evolução dos seres pela reencarnação (questão 168 do LE), para Hume também é impossível retroceder:

Mas, ao mesmo tempo que ambiciosamente aspiras ao aperfeiçoamento de tuas faculdades e poderes corpóreos, serias capaz de mesquinhamente desprezar o teu espírito, e com despropositada preguiça deixá-lo no mesmo estado rude e inculto com que veio das mãos da Natureza?

A base do progresso moral é a necessidade de se cultuar as qualidades de espírito que não devem ser desprezadas em detrimento das capacidades intelectuais. Hume reconhece assim a necessidade do progresso não só intelectual, mas também moral, observação que tomaria corpo na questão 780 de O Livro dos Espíritos:

O progresso moral acompanha sempre o progresso intelectual? “Decorre deste, mas nem sempre o segue imediatamente”.

Essa observação se tornou a base para se compreender o progresso humano em todos os sentidos. A necessidade do progresso moral é reafirmada várias vezes ao longo do LE como na questão 793, quando os Espíritos afirmam que a civilização completa é reconhecida pelo seu desenvolvimento moral.

Para o filósofo, reconhece-se o verdadeiro homem civilizado no seu esforço em domar suas paixões:

E que o mesmo esforço pode tornar o cultivo de nosso espírito, a moderação de nossas paixões e o esclarecimento da razão uma ocupação agradável, quando a cada dia tomamos consciência de nosso progresso e vemos nossos traços e atitudes interiores cada vez brilhando mais com novos encantos?

Esse esforço é o verdadeiro prazer, a fonte de felicidade. No magistral “O Homem de Bem”, capítulo XVII do ESE, Kardec afirmaria sobre o verdadeiro homem de bem:

Encontra satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer ditosos os outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos aflitos. Seu primeiro impulso é para pensar nos outros, antes de pensar em si, é para cuidar dos interesses dos outros antes de seu próprio interesse. [...]

No entender de Hume, o apogeu das conquistas e de todo prazer do “homem virtuoso” ou “verdadeiro sábio” está descrito nesta passagem que transcrevemos por sua beleza e inspiração:

Purificai mais ainda esta generosa paixão, e admirareis mais ainda suas refulgentes glórias. Que encantos encontramos na harmonia dos espíritos, e numa amizade baseada na mútua estima e gratidão! Que satisfação em socorrer os aflitos, em reconfortar os infelizes, em levantar os caídos, e em deter a carreira da cruel fortuna, ou do homem ainda mais cruel, em seus insultos aos bons e aos virtuosos! Mas que alegria mais sublime é possível, nas vitórias sobre o vício e sobre a miséria, do que quando pelo virtuoso exemplo ou a sábia exortação, nossos semelhantes são ensinados a dominar suas paixões, a renunciar a seus vícios, a subjugar seus piores inimigos, que habitam dentro de seu próprio peito?

Ao se refletir na história de um Francisco de Assis, de um Francisco Cândido Xavier ou Madre Teresa de Calcutá, percebemos que as diferenças de tempo, espaço ou cultura pouco efeito têm sobre a verdadeira alma virtuosa. Pois em todos eles manifestam-se os mesmos pendores, as mesmas inclinações, a mesma bondade, a mesma justiça e humildade unidas em amálgama de perfeita harmonia. São exemplos de que tal estado é possível. Se vislumbramos pouco desse estado na imensa maioria, certamente o veremos muito mais no futuro, bastando que comecemos a cultivar em nós essas grandes virtudes. “No verdadeiro sábio e patriota se reúne tudo o que pode enobrecer a natureza humana, elevando o homem mortal a uma certa semelhança com a divindade” – afirmaria Hume que também define neste ponto a “beleza moral”:

Se a contemplação da beleza, mesmo inanimada, é tão deliciosa, se ela entusiasma os sentidos, mesmo quando a bela forma nos é estranha, quais não devem ser os efeitos da beleza moral? E que influência não deve ela ter quando embeleza nosso próprio espírito, como resultado de nossa própria reflexão e de nosso próprio esforço?

“Mas qual será a recompensa da virtude?”, perguntaria Hume, pois, afinal a própria Natureza prevê recompensa para tamanhos sacrifícios. Estamos informados de que a suprema felicidade é o destino de todos os seres. Todos rumam para o mesmo fim que é o do “Espírito bem-aventurado; puro Espírito”, segundo a questão 170 do LE, já que o Espírito é imortal. Sem o conhecimento do destino dos seres, o homem tateia nas trevas de sua própria escuridão, impulsionado por uma lei maior que o faz caminhar sem retroceder, embora ele possa, se quiser, estacionar. Ainda que sem o conhecimento que o Espiritismo traria algumas décadas mais tarde, escreveria Hume:

A glória é o troféu da virtude, a doce recompensa de honrosos esforços, a triunfante coroa que vai cobrir a cabeça pensativa do patriota desinteressado ou a fronte empoeirada do guerreiro vitorioso. Enaltecido por prêmio tão sublime, o homem virtuoso contempla com desprezo todas as ilusões do prazer e todas as ameaças do perigo.

“Sede, pois, vós outros, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai celestial”– tal é o supremo objetivo, a suprema razão que também é uma beleza suprema a adornar o Espírito. Assim ensinou Jesus.


Ademir Xavier


Referências

1 Obra citada. Parte I, Ensaio XVI, Ensaios morais, políticos e literários. No Brasil, o livro pode ser encontrado na coleção “Os Pensadores” da Ed. Abril (2000), trad. João Paulo Gomes Monteiro e Armando Mora D’Oliveira.

domingo, 25 de outubro de 2015

“Eduquemo-nos para discernir”


Somos herdeiros de nossos atos e das conquistas realizadas na luta pela sobrevivência, com aquisições elevadas ou inferiores, na romagem das vidas sucessivas...

Nem sempre conseguimos em nossos relacionamentos ser transparentes e sinceros. Criamos barreiras e dificuldades para o grupo social ou familiar no qual estamos inseridos, sempre que somos contrariados ou chamados à aferição de nossos valores reais.

Entretanto, quando agimos em constante discordância e agressões para com os companheiros das atividades comuns, sentimo-nos infelizes e sem a harmonia íntima tão importante na vida de relação.

É de grande significado para nossa evolução, como seres humanos, um relacionamento saudável e equilibrado.

Joanna de Ângelis nos leciona que:

Na convivência com o próximo, o ser humano lima as arestas interiores e ajusta-se ao grupo, aprendendo que a sua perfeita sintonia com os demais resulta em produção e aperfeiçoamento para todos. O seu crescimento é conquista geral, o seu fracasso é desastre coletivo. Nesse mister, portanto, descobre a beleza da harmonia, que resulta da perfeita identificação com os componentes do conjunto.1

Todos nós, seres gregários que somos, temos necessidade de viver em harmonia com os que estão ligados a nós por laços familiares, sociais, ou mesmo integrados no mesmo trabalho na seara espírita. Quando não agimos com fraternidade e compreensão, as coisas não funcionam bem para nós nem para o nosso próximo.

Sem renúncia pessoal e entendimento maior em torno das limitações e necessidades dos que caminham conosco, evidenciamos o egoísmo e a insensibilidade diante dos problemas que surgem. Muitas vezes faltamos com a caridade e a compreensão fraterna, dificultando as tarefas empenhadas.

Os estímulos humanos funcionam de acordo com os propósitos agasalhados, porque a mente, trabalhando os neurônios cerebrais, estimula a produção de enzimas próprias aos sentimentos de solidariedade ou às reações belicosas. Assim, portanto aspirar e manter ideias de teor elevado constitui meio seguro de conseguir-se relacionamentos saudáveis.2

Nosso comportamento na vida de relação será sempre o reflexo de nosso mundo interior. Exteriorizamos o que realmente somos e nem sempre agimos de má-fé, mas temos dificuldades por não estarmos habituados às reflexões mais demoradas acerca de nossas deficiências e erros, desculpando-nos sempre, justificando atitudes impensadas e prejudiciais ao grupo social, sem a humildade de analisar mais profundamente o que somos, sem o autoconhecimento para discernir onde falhamos, sem conhecer realmente as nossas necessidades.

Sem a análise de nosso mundo interior, dificilmente entenderemos nosso companheiro de jornada terrena. Agimos com precipitação e preconceito sem dar tempo ao outro de apresentar suas justificativas ante as acusações que lhe são endereçadas por mentes enfermiças, incapazes de manter em harmonia seu mundo íntimo. Exteriorizamos reações perturbadoras diante de quaisquer problemas.

Emmanuel tem uma frase pequena, mas de grande significado moral quando diz: “Eduquemo-nos para discernir”. 3

É essencial buscarmos a educação moral e psíquica para um bom relacionamento. Não apenas a busca do conhecimento através da instrução, mas principalmente a educação dos sentimentos e o equilíbrio das emoções que nos farão mais serenos e felizes, mantendo a harmonia íntima e favorecendo o discernimento quando vivenciarmos situações adversas.

O Benfeitor espiritual, sempre atento às nossas necessidades de aprimoramento moral, chama nossa atenção quando comenta a citação de Pedro (I Pedro, 4:8): “Mas, sobretudo, tende ardente caridade uns para com os outros”.4

Busquemos, portanto, através deste sentimento sublime – a caridade – manter atitudes mais humanas e coerentes com nossas tarefas no bem, com o conhecimento maior sobre a vida e nossa destinação espiritual, não apenas amando formalmente como irmãos e companheiros das lides espíritas, mas com a “ardente caridade” que o apóstolo nos propõe.

Eis a recomendação de Emmanuel para todos nós:

Quando pudermos distribuir o estímulo do nosso entendimento e de nossa colaboração com todos, respeitando a importância do nosso trabalho e a excelência do serviço dos outros,renovar-se-á a face da Terra, no rumo da felicidade perfeita. Para isso, porém, é necessário nos devotemos à assistência recíproca, com ardente amor fraterno... 5

Ardente – veemente e intenso – qualificando de forma mais apropriada o que está faltando em nossas atitudes fraternas, mesmo quando as colocamos ao lado do amor que sentimos uns para com os outros!

Analisando a citação acima,sentimos quanto estamos distantes, ainda, desta fraternidade real; todavia já podemos elucidar com maior discernimento a causa de estarmos sintonizados com o lado inferior de nossas emoções, deixando que o orgulho e a vaidade ensombrem nossos sentimentos e nossas aspirações enobrecedoras.

Não existem tarefas maiores ou menores na seara de Jesus. Todas são importantes quando nos propomos a ajudar ao próximo e divulgar os ensinamentos espíritas, nesta hora em que a Humanidade sofre diante da violência e da degradação moral. Por isso, todos somos chamados a servir nesta fase difícil da transição planetária. Muito será pedido a cada um de nós porque muito temos recebido em bênçãos de conhecimentos e proteção espiritual.

Coloquemo-nos como fiéis seguidores de Jesus, com boa vontade e compreensão ante as dificuldades do caminho.

Vejamos o lado bom das pessoas que conosco convivem e elas identificarão nossas melhores intenções. Busquemos ajudar desinteressadamente a todos, estendendo nossas mãos, e eles responderão com apreço e nos soerguerão nos momentos infelizes... Todavia, para nos mantermos em paz é necessário cultivá-la em nosso mundo íntimo. Procuremos compreender e servir em todos os momentos em que formos chamados a colaborar, dando o melhor dentro de nossas possibilidades.

Se já conhecemos as lições edificantes do Espiritismo, à luz dos ensinamentos do Cristo, clarificando nossas consciências, “o cultivo sistemático da compreensão e da bondade tem força de lei em nossos destinos...”.6


Lucy Dias Ramos


Referências:

1 FRANCO, Divaldo P. Vida: desafios e soluções. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. Salvador: LEAL. p. 119 e 120
2 Idem, ibidem. p. 120
3XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 91, p. 212
4 Idem, ibidem. Cap. 122, p. 279.
5 Idem, ibidem. p. 280.
6XAVIER, Francisco C. Fonte viva. Pelo Espírito Emmanuel. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. Cap. 126, p. 288

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A Era de Transição segundo o Espiritismo


Em seu Discurso Profético afirma Jesus:

Haveis de ouvir falar sobre guerras e rumores de guerras. Cuidado para não vos alarmardes. É preciso que essas coisas aconteçam, mas ainda não é o fim. Pois se levantará nação contra nação e reino contra reino. E haverá fome e terremotos em todos os lugares. Tudo isso será o princípio das dores.1

Tal profecia condiz com as condições vigentes na sociedade planetária atual que, a despeito do progresso tecnológico e científico alcançado, tem longo caminho a percorrer no campo da moralidade. Vivemos o Período de Transição situado entre diferentes gerações, como afirma Allan Kardec:

[...] os elementos das duas gerações se confundem. Colocados no ponto intermediário, assistimos à partida de uma e à chegada de outra, já se assinalando cada uma, no mundo, pelas características que lhes são peculiares. As duas gerações que se sucedem têm ideias e pontos de vista opostos. Pela natureza das disposições morais e, sobretudo, das disposições intuitivas e inatas, torna-se fácil distinguir a qual das duas pertence cada indivíduo.2

A Transição evolutiva apresenta características muito nítidas (veja “O Sermão Profético” em Reformador de março de 2012, p. 25), que podem ser sintetizadas na expressão “sinais dos tempos”, indicativa de que “são chegados os tempos marcados por Deus, em que grandes acontecimentos se vão dar para a regeneração da Humanidade”.3

Isto posto, diremos que o nosso globo, como tudo o que existe, está submetido à lei do progresso. Ele progride fisicamente, pela transformação dos elementos que o compõem, e moralmente, pela depuração dos Espíritos encarnados e desencarnados que o povoam. Esses dois progressos se realizam paralelamente, visto que a perfeição da habitação guarda relação com a do habitante. Fisicamente, o globo terrestre tem sofrido transformações que a Ciência tem comprovado [...]. Moralmente, a Humanidade progride pelo desenvolvimento da inteligência, do senso moral e do abrandamento dos costumes. Ao mesmo tempo que o melhoramento do globo se opera sob a ação das forças materiais, os homens concorrem para isso pelos esforços de sua inteligência. [...]4

Cálculos que definem quanto tempo vai durar a Transição são meramente especulativos, pois importa considerar o livre-arbítrio, individual e coletivo, como fatores determinantes. Uma certeza, contudo, se sobressai: a Transição apresenta desafios significativos, consequentes das ações humanas e das transformações na estrutura da habitação planetária, fatores que definem as condições de vida em sociedade, do presente e do futuro. As tribulações do Período de Transição representam, contudo, oportunidades concedidas pela divina providência para melhoria moral e intelectual do ser humano. Nesse aspecto, pontua Kardec:

Sim, por certo a Humanidade se transforma, como já se transformou em outras épocas, e cada transformação é marcada por uma crise que é, para o gênero humano, o que são, para os indivíduos, as crises de crescimento: crises muitas vezes penosas, dolorosas, que arrastam consigo as gerações e as instituições, mas sempre seguidas de uma fase de progresso material e moral.5

Os desafios da Transição produzem agitações em ambos os planos de vida:

À agitação dos encarnados e dos desencarnados se juntam, por vezes e mesmo na maioria das vezes, já que tudo se conjuga, na Natureza, as perturbações dos elementos físicos; é então, por um tempo, uma verdadeira confusão geral, mas que passa como um furacão, depois do que o céu se torna sereno, e a Humanidade, reconstituída sobre novas bases, imbuída de novas ideias, percorre uma nova etapa de progresso.6

Os acontecimentos reveladores da Transição, consoante a previsão de Jesus anunciada no seu Sermão Profético (Mateus, 21:1-31; Marcos, 13:1-23 e Lucas, 21:5-24), falam, entre outros, de conflitos bélicos, lutas fratricidas, atos de violência, traições, caos social – todos reveladores do atraso moral que ainda predomina no Planeta – os quais, conjugados às calamidades naturais, produzem muito sofrimento, a despeito do significativo desenvolvimento tecnológico e científico. Vemos, assim, que o progresso intelectual fez surgir uma sociedade mais instruída, todavia moralmente enferma.

Até aqui, a Humanidade tem realizado incontestáveis progressos. Os homens, com a sua inteligência, chegaram a resultados que jamais haviam alcançado, sob o ponto de vista das ciências, das artes e do bem-estar material. Resta-lhes, ainda, um imenso progresso a realizar: fazerem que reinem entre si a caridade, a fraternidade e a solidariedade, que lhes assegurem o bem estar-moral. 7

Para tanto, faz-se necessário férreo combate às imperfeições espirituais, sobretudo o egoísmo, como asseveraram os Espíritos orientadores da Codificação Espírita. No processo de melhoria moral, a destruição do egoísmo é apontada como a base para a construção de uma sociedade humana mais solidária. O Espírito Fénelon reconhece, todavia, que não é tarefa fácil:

De todas as imperfeições humanas, a mais difícil de extirpar é o egoísmo, porque resulta da influência da matéria, influência de que o homem, ainda muito próximo de sua origem, não pôde libertar-se, já que tudo concorre para mantê-la: suas leis, sua organização social, sua educação. [...]8

A eliminação do egoísmo ou minimização de ações egoísticas são, como tudo, um processo educativo, que requisita esforços incessantes no lar, na escola, no ambiente profissional, na via pública, no templo etc., como bem esclarece o Espiritismo:

Louváveis esforços são empregados para fazer que a Humanidade progrida. Os bons sentimentos são animados, estimulados e honrados mais do que em qualquer outra época; não obstante, o verme roedor do egoísmo continua a ser a praga social. É um mal real, que se espalha por todo o mundo e do qual cada homem é mais ou menos vítima. Assim, é preciso combatê-lo como se combate uma moléstia epidêmica. Para isso, deve-se proceder como procedem os médicos: remontando à causa do mal. Que se procurem em todas as partes do organismo social, da família aos povos, da choupana ao palácio, todas as causas, todas as influências, patentes ou ocultas, que excitam, alimentam e desenvolvem o sentimento do egoísmo. Conhecidas as causas, o remédio se apresentará por si mesmo. [...] A cura poderá ser demorada, porque numerosas são as causas, mas não é impossível. Contudo, ela só se obterá se o mal for cortado pela raiz, isto é, pela educação, não por essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas pela que tende a fazer homens de bem. [...]9

O desenvolvimento de virtudes, consequência natural da batalha contra as imperfeições, faz surgir, então, uma sociedade mais espiritualizada, mais moralizada, atenta não só ao bem-estar próprio, mas ao do próximo.

A Humanidade, tornada adulta, tem novas necessidades, aspirações mais vastas e mais elevadas; compreende o vazio com que foi embalada, a insuficiência de suas instituições para lhe dar felicidade; já não encontra, no estado das coisas, as satisfações legítimas a que se sente com direito. É por isso que se despoja das fraldas da infância e se lança, impelida por uma força irresistível, para margens desconhecidas, em busca de novos horizontes menos limitados.

É a um desses períodos de transformação, ou, se o preferirem, de crescimento moral, que ora chega a Humanidade. Da adolescência ela passa à idade viril. [...] O presente é demasiado efêmero; ela sente que o seu destino é mais vasto e que a vida corpórea é restrita demais para encerrá-lo inteiramente. Por isso, mergulha o olhar no passado e no futuro, a fim de descobrir o mistério da sua existência e de adquirir uma consoladora certeza.

E é no momento em que ela se encontra muito apertada na esfera material, em que transborda a vida intelectual, em que o sentimento da espiritualidade lhe desabrocha no seio, que homens que se dizem filósofos pretendem encher o vácuo com as doutrinas do niilismo e do materialismo! [...]10

Marta Antunes Moura

Referências:

1 BÍBLIA DE JERUSALÉM. Diversos tradutores. São Paulo: Paulus, 2004. 3. reimp. Mateus, 24:6-8.
2 KARDEC, Allan. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 18, it. 28, p. 535.
3 ______. ______. It. 1, p. 513.
4 ______. ______. It. 2, p. 514.
5 ______. ______. It. 9, p. 521.
6 ______. ______. p. 522.
7 ______. ______. It. 5, p. 516.
8 ______. O livro dos espíritos. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 2. ed. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Q. 917.
9 ______. Comentário de Kardec à q. 917.
10______. A gênese. Trad. Evandro Noleto Bezerra. 1. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2011. Cap. 18, it. 14, p. 525-526.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Estudo das obras da Codificação Espírita


Caminho para a libertação


Pertencem à verdade todos aqueles que sabem ser necessário evoluir, à medida que adquirem os conhecimentos dos autênticos princípios que norteiam a natureza humana e que a conduzem ao aperfeiçoamento, à fraternidade, ao amor universal. E a seguem os que dedicam seus esforços, suas faculdades e seus principais cuidados à aplicação e à propagação da verdade incontestável. Jesus veio, pessoalmente, dar testemunho dessa realidade.

O Espiritismo surgiu para alentar o espírito humano, ensinando-lhe a cultivar o fruto sagrado das revelações espirituais, ao reabilitar o Cristianismo que a Igreja deturpara, semeando novamente os sublimes ensinamentos do Cristo no coração dos homens.

O bondoso Espírito Emmanuel faz um importante apelo aos que prosseguem nas fileiras do trabalho renovador:

Efetivamente, não alcançaremos a libertação verdadeira sem abolir o cativeiro da ignorância no reino do espírito. E forçoso será observar que o conhecimento é um tipo de aquisição que exige de nós caridade para conosco, porque, se é possível sanar as deficiências do corpo pelas doações da beneficência, como sejam o alimento ao faminto e o remédio ao doente, a luz do espírito não se transmite nem por imposição, nem por osmose. Quem aspire a entesourar os valores da própria emancipação íntima, à frente do Universo e da Vida, deve e precisa estudar. 1

O estudo da Doutrina Espírita se torna, dia a dia, essencial àqueles que desejam permanecer, de forma consciente, nas hostes do trabalho espírita, adquirindo saber aprofundado dos princípios doutrinários estabelecidos pelo Codificador.

O Espiritismo sério não pode responder por aqueles que o compreendem mal, ou que o praticam de modo contrário aos seus preceitos [...].2

Por isso, principalmente, O livro dos espíritos, O evangelho segundo o espiritismo e O livro dos médiuns são obras excepcionais da Codificação Espírita, além de A gênese e de O céu e o inferno, que as completam. Elas iluminam os caminhos daqueles que desejam permanecer na seara de amor e de caridade, em prol do seu aperfeiçoamento moral, e são fundamentais à compreensão das orientações que emanam do plano espiritual superior, sobre o destino dos homens, dando-lhes elementos indispensáveis à mais perfeita compreensão dos desígnios do Criador.

O imprescindível trabalho de unificação dentro do Espiritismo somente terá êxito quando todos os espíritas se agruparem em torno dos preceitos doutrinários, coordenados e codificados por Allan Kardec, aplicando-os nas instituições e nos centros espíritas a que pertençam e solidificando- -os nas realizações que representam a prática desse sistema tão útil à disseminação do Movimento Espírita.

Nestes tempos dolorosos em que as mais penosas transições se anunciam ao espírito do homem, só o Espiritismo pode representar o valor moral onde se encontre o apoio necessário à edificação do porvir. [...]3

Nem sempre, contudo, os adeptos da Doutrina Consoladora sustentam a pureza das determinações espíritas, como seria desejado, sem nenhuma vigilância de resguardar a unidade e os interesses gerais do Espiritismo. Atualmente, são cometidos absurdos em torno do estudo e da prática espírita sem qualquer cuidado na preservação da legítima interpretação dos ensinamentos doutrinários, o que causa inúmeros problemas aos seus profitentes. Afirma Kardec:

[...] A verdadeira Doutrina Espírita está no ensino que os Espíritos deram, e os conhecimentos que esse ensino comporta são por demais profundos e extensos para serem adquiridos de qualquer modo, que não por um estudo perseverante [...]. Porque, só dentro desta condição se pode observar um número infinito de fatos e particularidades que passam despercebidos ao observador superficial, e firmar opinião. [...]4

Aqueles que desconhecem a verdadeira orientação do Espiritismo se deixam iludir por fantasias e por certas condutas místicas, adulterando a essência das fundamentações teórico-doutrinárias, que são absolutamente claras para os que possuem a certeza da legitimidade de suas declarações. Ser espírita é adquirir o conhecimento das normas da Doutrina Consoladora, é aplicar os seus preceitos morais, é seguir os princípios que as consubstanciam. Kardec nos legou ricas observações a esse respeito. Obras póstumas, o livro organizado por P. G. Leymarie, contém escritos sobre o assunto:

A condição absoluta de vitalidade para toda reunião ou associação, qualquer que seja o seu objetivo, é a homogeneidade, isto é, a unidade de vistas, de princípios e de sentimentos, a tendência para um mesmo fim determinado, numa palavra: a comunhão de ideias. [...]

Dizer-se alguém espírita, mesmo espírita convicto, não indica, pois, de modo algum, a medida da crença; essa palavra exprime muito, com relação a uns, e muito pouco, relativamente a outros. Uma assembleia para a qual se convocassem todos os que se dizem espíritas apresentaria um amálgama de opiniões divergentes, que não poderiam assimilar-se reciprocamente, e nada de sério chegaria a realizar, sem falar dos interessados a suscitarem no seu seio as discussões a que ela abrisse ensejo. 5

Assevera Kardec que “o Espiritismo é uma questão de fundo; prender-se à forma seria puerilidade indigna da grandeza do assunto”.6 Se procurássemos compreender o autêntico sentido do Espiritismo, contribuiríamos para que os centros espíritas se achassem em condições de se unir, fraternalmente, combatendo o perigo da enganação, da falta de fé raciocinada e do fanatismo. Algumas instituições valorizam mais a forma, esquecidas de que o bom aproveitamento dos companheiros entusiastas e sinceros deve ser promovido, sobretudo, nos núcleos e grupos de estudos das lições imprescindíveis contidas na Codificação, a fim de que as atividades, em todas as áreas de atendimento, não reprimam a voz clara e orientadora do verdadeiro princípio doutrinário.

Sem o conhecimento cuidadoso do Espiritismo, ninguém pode, em sã consciência, considerar-se seguro na tarefa que executa! É urgente a leitura de suas obras fundamentais para ingressar nos trabalhos práticos oferecidos nos centros espíritas, mormente em relação à mediunidade. A teoria nos garante maior tranquilidade na ação a desenvolver.

Por outro lado, causa-nos espanto ler o conteúdo de certas obras, que estão sendo publicadas sem a devida precaução, no que tange à nitidez e à correção doutrinária. Trata-se de livros denominados espíritas, falsamente considerados como bons e recomendados para leitura de todos os trabalhadores da seara.

Esses falsos preceitos embaralham a mente dos novos adeptos da crença e de determinados companheiros mais experientes, que não reconhecem o valor do estudo espírita, a respeito da origem de suas diretrizes, de acordo com as excelentes explicações trazidas nas obras basilares.

O iluminado Espírito André Luiz nos chama a atenção para o grave problema, de modo a não esquecermos as responsabilidades que assumimos na divulgação de livros edificantes e nobres:

Sem exclusão de autor ou de tema versado, analisar minuciosamente as obras que venha a ler, para não sedimentar no próprio íntimo os tóxicos intelectuais de falsos conceitos, tanto quanto as absurdidades literárias em torno das quais giram as conversações enfermiças ou sem proveito.

Os bons e os maus pensamentos podem nascer de composições do mesmo alfabeto.7

As chamadas publicações complementares, que subsidiam e interpretam os livros da Codificação, a exemplo das Coleções dos Espíritos Emmanuel, André Luiz, Joanna de Ângelis, e de outros autores idôneos, são de leitura indispensável e devem ser criteriosamente analisadas, sem que, no entanto, se deixe de avaliá-las à luz das contribuições de Kardec, o que exige, por esse motivo, estudos mais rigorosos sobre as orientações dadas pelos Espíritos reveladores.

Somos humildes obreiros da Terceira Revelação; devemos estudar a Doutrina e propagá-la aos que desejam ser livres para o bem e pelo bem.


Clara Lila Gonzalez de Araújo

Referências:


1 XAVIER, Francisco C.; VIEIRA, Waldo. Estude e viva. Pelos Espíritos Emmanuel e André Luiz. 13. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. Na escola da alma, p. 11 a 14.
2 KARDEC, Allan. O que é o espiritismo.
3. reimp de bolso. Rio de Janeiro: FEB, 2011. cap. 2, Noções elementares de Espiritismo, it. 6, p. 171. 3 XAVIER, Francisco C. A caminho da luz. Pelo Espírito Emmanuel. 37. ed. 4. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. cap. 24, it. Restabelecendo a verdade, p. 249.
4 KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. Trad. Guillon Ribeiro. 92. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2012. Introdução, it. 17, p. 58.
5 ______. Obras póstumas. Trad. Guillon Ribeiro. 40. ed. 3. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. pt. 2, cap. Constituição do Espiritismo. it. 8, Do programa das crenças, p. 403 e 404.
6 ______. ______. it. 6, Amplitude de ação da Comissão Central, p. 399.
7 VIEIRA, Waldo. Conduta espírita. Pelo Espírito André Luiz. 32. ed. 1. reimp. Brasília: FEB, 2012. cap. 41

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

A Filosofia de Jesus


O Espiritismo tem na pessoa de Jesus o ideal e exemplo de desenvolvimento máximo do Espírito. As demais denominações cristãs o têm como Deus-Filho, pessoa da Trindade Divina. Os estudiosos dedicados a uma análise histórico-crítica do Novo Testamento, nem sempre movidos por compromissos de fé, tomam-no por seu papel social, não ignorando, porém, os seus dotes e capacidades singulares. Islâmicos consideram-no um dos mais importantes profetas; budistas e hinduístas diversos já se pronunciaram sobre Ele como um grande iluminado, guru e mesmo um ser divino. Qualquer que seja a perspectiva adotada, seria preciso desconsiderar completamente o relato dos Evangelhos para desprezar ou mesmo reduzir ao plano de pensador comum a figura de Jesus. Faz sentido, portanto, supor que um ser tão universalmente admirado e respeitado pelo seu ensino, a ponto de influenciar sobremaneira a cultura ocidental, com reflexos sobre outras, tenha uma filosofia própria.

Tratar da filosofia de Jesus, no entanto, continua a ser um trabalho extremamente ingrato, porque paradoxalmente este complexo e inesgotável pensador é tido pela maior parte da tradição filosófica como revelador religioso apenas, ao qual não se aplicariam as categorias do discurso filosófico. Ainda que esta conclusão absurda tenha sido contestada por inúmeros nomes ilustres, a concepção vulgar, incluindo a cultura acadêmica, repete os papéis estereotipados atribuídos pelos teólogos mais ortodoxos, sejam os católicos ou protestantes, de Cristo e dos apóstolos em seus papéis dogmáticos.

Estranhamente, o pensador que orienta toda a ética, metafísica e psicologia do Ocidente, especialmente querido pelos racionalistas de todos os tempos, teve a sua profundidade filosófica pervertida pelas disputas clericais iniciadas pouco após a sua morte. E com isso não quero me referir aos pontos em que evidentemente Jesus possui ascendência absoluta sobre o pensamento humano, tais como a questão da imortalidade, da ética, da dignidade humana, da Teologia, do autoconhecimento etc. Prefiro levantar um dos problemas mais graves da Metafísica e da Ontologia, em que suas ideias tão frutíferas continuam a oferecer ilimitados contributos, sem que sejam ainda reconhecidas.

Um daqueles pontos nos quais a razão parece estar em conflito consigo mesma, para reproduzir a feliz expressão de Kant, é o conflito entre livre-arbítrio e determinismo. Questão que deve a sua formatação moderna, senão a sua essência, aos problemas e soluções levantados pelo pensamento de Jesus. Em nenhum outro pensador os dois elementos se achavam tão presentes, tão harmoniosamente unificados, de modo que se qualquer outra influência tivesse sido determinante nesta questão, a filosofia deveria ter pendido para um dos dois. Se estoicos ou epicuristas tivessem prevalecido na orientação da tradição europeia, tenderíamos para o determinismo.

Se o platonismo ou o aristotelismo tivessem prevalecido, seríamos excessivamente confiantes no nosso poder. A síntese de Jesus equilibrou de tal modo esta questão que o conflito passou a ser insolúvel ou marcado pela igualdade complementar das duas forças, correspondendo esta última variante ao que se produziu de mais elevado na Filosofia e Teologia humanas.

A defesa que Jesus faz do livre-arbítrio transcende todas as categorias segundo as quais se havia julgado o poder do homem, elevando-o às alturas da divindade, fazendo dele até então visto como animal ou, na melhor das hipóteses, cidadão, o herdeiro do Deus único e absoluto. É tão grande a liberdade, na concepção de Jesus, que a fé do homem pode transportar montanhas, e todas as forças de sua alma estão sob o seu controle.

A fé, aliás, é exaltada sem qualquer restrição, pois “tudo o que for pedido com fé, será obtido”, e o rabi galileu atribuía as curas e milagres à fé dos requerentes, lembrando-lhes que “fora feito segundo a sua fé”. Em nenhum momento Jesus diz aos discípulos que eles são incapazes de repetir os seus feitos por ausência de talento ou habilidade, mas garante-lhes, ao contrário, que nada lhes é impossível e os repreende sempre por não terem a fé suficiente para tal ensejo.

Quanto ao patrimônio íntimo, Jesus inovava colocando todos os sentimentos e pensamentos sob a tutela da consciência. Enquanto a ética lidava até então com atos, Jesus ressalta a liberdade de consciência, estendendo a nossa responsabilidade aos “pecados cometidos em pensamento”. Recomendando a vigilância, estava Ele afirmando a necessidade de regrar as emoções e ideias. Transformando o amor em mandamento, contrariou completamente a ideia de um amor passional ou fruto de inclinação, gosto, tendência, e lançou as bases ainda incompreendidas da reforma emocional. Ao ensinar o amor a Deus e ao próximo, como mandamento maior, assegura-nos de que qualquer pessoa tem o governo de seus sentimentos, sendo responsável pela amargura, aridez ou floração interior. Pregou a verdade que liberta e afirmou que os homens andavam até então como escravos de seus pecados, estando libertos a partir daquele momento pela revelação de que o Espírito é senhor de seu destino, a par de todos os hábitos, costumes, instintos, atavismos e compromissos sociais.

Ao mesmo tempo e sem diminuir em nada esta prerrogativa de liberdade, Jesus apresentou uma visão da Providência tão absoluta, onipotente e imanente a todos os fenômenos da Criação que mesmo os judeus se espantavam com a sua convicção de que todas as coisas são determinadas por Deus. Recomendou a resignação incondicional às agruras da vida e às provações enviadas pela divindade. Apontou Deus como o Pai e Senhor da vida, em cujas mãos devemos nos depositar com desassombro, sem preocuparmo-nos com o dia de amanhã. Reuniu no sublime Sermão da Montanha as condições da iluminação com destaque para a entrega, abnegação e confiança na direção que Deus oferece ao mundo, dando a entender que o futuro está em suas mãos. Orou sempre a Deus para que tudo transcorresse conforme a sua vontade. Baseou a própria grandeza na destruição da vontade pessoal e na submissão à vontade do Pai, apresentando-se assim como revelação máxima de Deus, na exata medida em que não reconhecia ser nada fora dele.

Essa doutrina de implicações oceânicas gera, há dois mil anos, um estarrecimento da razão. Os que a aceitaram de modo humilde encontraram nela a serenidade e a consolação do determinismo divino e a responsabilidade e grandeza da liberdade individual. Os muitos que tentaram entendê-la reduziram-na às próprias limitações e enfatizaram os polos correspondentes às suas preferências.

Santo Agostinho concentrou-se na ideia de Deus, depositando nele, causa de tudo, a decisão sobre a salvação humana, e deixando ao livre-arbítrio apenas a decisão entre aceitar ou não a eleição. Pelágio, enfocando a divindade e responsabilidade do indivíduo, colocou nas mãos do homem a salvação ou queda, confrontando a ideia de Agostinho sobre a eleição pela graça de Deus e estabelecendo a necessidade de obras para a elevação do Espírito. Graças ao poder político do bispo de Hipona, Pelágio foi fortemente perseguido e julgado como herege, pesando sobre os ombros do santo africano a responsabilidade pelo desequilíbrio filosófico e doutrinário do Cristianismo.

Lutero e Erasmo, o reformista protestante e o católico, respectivamente, repetiram a mesma disputa mais de mil anos depois, dando sinais de que a Humanidade pouco evoluiu na interpretação da filosofia de Jesus. Enquanto Lutero condenou o livre-arbítrio em seu livro De servo arbítrio (Sobre o arbítrio escravo), Erasmo o exaltou em seu livro-resposta De libero arbítrio (Sobre o livre-arbítrio). Lutero acreditava que a única coisa em poder do homem é a sua entrega à fé. Se o fizesse, o homem converter-se-ia por força do poder de Cristo, e a fé revelada o transformaria. As boas obras seriam mera consequência dessa conversão. Erasmo, racionalista e liberal, rebatia que havia muitas interpretações conflitantes sobre as Escrituras, e que era impossível distinguir com certeza a fé correta da equivocada, a aparente da sincera, e que por isso a razão deveria fiscalizar a fé, e o homem deveria manter o seu livre-arbítrio e juízo crítico, embora aceitando a orientação das Escrituras. Erasmo também enxergava passagens em que Jesus sugere o livre-arbítrio, e por isso concluía que, na dúvida, o homem deveria agir como se a salvação dependesse de suas obras, esforçando-se por si mesmo como se não estivesse salvo, ao invés de entregar-se à ideia dogmática de estar garantido pela fé.

Ainda outras vezes a história da Teologia e da Filosofia polarizou-se numa dicotomia do pensamento de Jesus, em detrimento da completude magnífica que a sua síntese harmônica oferecia. Mas conquanto essas diástoles do pensamento tenham provocado contendas, foi também importante para o exercício do raciocínio que essas divisões didáticas e simplificadoras da dialética cristã ocorressem. Se ao menos conseguirmos aprender com este processo de evolução histórica, poderemos evitar a continuidade dessa cisão, e reconstituir a metafísica de Jesus em sua potência integradora original, onde livre-arbítrio e Providência implicam-se mutuamente, ao invés de se contradizerem.

Humberto Schubert Coelho
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